11 abril 2009

Tomé e o peixe de aquário (um pensamento para o Domingo de Páscoa).

Já ouvi censurar Tomé severamente por ser um homem de dúvida. Mas, mais frequentemente, ouvi elogios ao seu realismo e empirismo: «é corajoso, não se deixa convencer pelo que os outros dizem, quer ter provas, quer pôr a sua mão nas feridas de Jesus, etc.....»
Será que esta atitude de Tomé é realmente louvável? No mundo do empirismo, na tradição do iluminismo, nós sabemos que a dúvida metódica foi transformada num tipo de virtude. No mundo em que eu cresci, quem seguisse só o método científico – quem rejeitasse ou, no mínimo, desconfiasse, de mitos, milagres e do sobrenatural - era elogiado pela sua coragem e honestidade.
Hoje, desconfio que este racionalismo tem qualquer coisa em comum com o peixe no aquário que não consegue crer que exista o mundo fora do aquário, apesar de receber daí o benefício de ser alimentado todos os dias. Poderia ser considerado um modelo de «coragem» - mas, mais provavelmente, deveria ser considerado o protótipo da mente fechada.
John Frye, autor de «Jesus the Pastor» e «Out of Print», diz que é colocar a mente humana como o árbitro de toda a verdade que nos transformou todos em anões. A realidade é demasiado vasta para vestir «só uma bata de laboratório». Diz que a evidência pode ser utilizada algumas vezes como “servo da fé”. Nunca é o “senhor da fé”. Jesus é Senhor da fé e da evidência.
Por isso as palavras de Jesus a Tomé, no texto familiar de João 20:29, em rigor não são nem uma crítica nem um elogio. Jesus não diz: «Gostei da tua honestidade e do teu rigor, Tomé: os teus colegas foram um pouco crédulos a mais». Refere que haverá muitos (e, se somos crentes fazemos parte deste número) que crerão sem terem visto. Refere que estes serão abençoados. Afinal não são estas as pessoas que se abriram para que o Senhor de todo o universo (Senhor da fé e da evidência) as convencesse? Não são os peixes no aquário que, desde o princípio, admitiram que o mundo fora – que não podiam palpar nem ver – deveria existir de facto, sendo evidência disso, no mínimo, os alimentos que recebiam cada dia?
É por isso – e por inumeráveis confirmações posteriores – que não me sinto nem ingénuo nem crédulo quando proclamo com convicção, especialmente no domingo de Páscoa:
«Jesus Cristo ressurgiu!»

1 comentário:

longobedience disse...

Estou plenamente de acordo com a crítica ao empirismo e ao iluminismo, e concordo que há muitas pessoas que recusam olhar para fora do aquário. Contudo, o melhor do iluminismo foi um desejo de conhecer a verdade (um dos meus professores de filosofia moderna disse que o Prefácio da Crítica da Razão Pura tinha um tom quase "existencialista", em que Kant fala da dificuldade do conhecimento e dos limites da razão). Esse facto é demasiadas vezes ofuscado pelos exemplos de racionalistas dogmáticos que não têm a coragem de avaliar os seus próprios pressupostos.

E agora um breve elogio ao peixe incrédulo.
Acho que a igreja tem muito gosto em criticar Tomé, e injustamente. Todos os discípulos acreditaram precisamente porque viram Jesus ressuscitado. Isto não é empirismo: é o próprio Jesus que toma a iniciativa de lhes "comprovar" quem era mostrando-lhes as mãos e o lado (João 20.20). Lucas 24.11 mostra a "incredulidade" dos outros discípulos, e de seguida o caminho de Emaús sugere que (pelo menos aqueles dois discípulos) não antecipavam de todo que Jesus tivesse ressuscitado.
Embora Jesus diga "Bem-aventurados os que não viram e creram", di-lo isso para uma audiência que estava a vê-lo. A mim parece-me que o episódio de Tomé (sobretudo porque o evangelho de João foi escrito no contexto da heresia gnóstica) mostra que não há razões para duvidar da ressurreição física de Cristo - portanto, não é essencialmente uma crítica a Tomé, mas uma afirmação clara e comprovada da resurreição, escrita sobretudo para benefício de quem não viu Jesus ressuscitado.
Tomé duvidou, claro. Eu também experimento dúvida - mas quero aprender com ele a dizer: "Senhor meu, e Deus meu!"