30 junho 2009
Berlenga e gaivotas
Do «Canto da Rola» até a Ilha da Berlenga leva vinte e cinco minutos de carro e depois quarenta e cinco de barco. Alguns receios de viajar em barcos (relativamente) pequenos fizeram com que a nossa família não se metesse na aventura de uma ida à ilha, durante os 18 anos desde que moramos na zona de Caldas da Rainha.
Mas algum dia tinha que ser! E a altura foi para celebrar o facto de o Andrew recentemente ter feito 24 anos: o nosso dia (ontem) incluiu até uma refeição no restaurante da ilha.
Os abanões no mar foram razoáveis – mas suportáveis. Fomos informados de que há dias muito piores!
As vistas da ilha; do Forte de João Baptista; das grutas e canais; da impressionante fissura central (Carreiro dos Cações); das «Estelas» e «Farilhões» - que dão vontade de fazer ainda mais outras viagens – são espectaculares. A recomendar a sério! As cinco horas, entre a chegada do barco e a sua partida à tarde, chegam muito bem para dar uma volta à Berlenga e a Ilha Velha.
Mas o que talvez tenha impressionado mais – e não num sentido completamente positivo – foram as gaivotas. Praticamente só conhecia esta ave em situações em que ela se sente em minoria. Quando se junta um número delas, numa ilha só, que (imagino) pode ser comparável ao número total de habitantes humanos de Portugal, coexistindo nesse lugar com um número de seres humanos muito reduzidos, a situação é bem diferente! Estender-nos num canto sossegado, para dormir a sesta, por exemplo, torna-se completamente impossível. Em alguns lugares o cheiro do estrume das gaivotas é insuportável, fazendo lembrar capoeiras enormes.
O comportamento extremamente pacífico que eu associava com esta ave afinal é só uma faceta da realidade! Para conhecer outra faceta não encontrei nada melhor do que a seguinte frase da Wikipedia (tradução minha):
«As gaivotas – e especialmente as espécies maiores - são aves expeditas, curiosas e extremamente inteligentes, que demonstram métodos complexos de comunicação e uma estrutura social altamente desenvolvida; por exemplo, muitas colónias de gaivotas manifestam comportamento amotinador, atacando e acossando todo o predador e outros intrusos».
Quando ouvimos primeiro algumas reacções extremamente frenéticas de parte delas, não nos sentimos assustados. O facto é que estávamos a mostrar alguma curiosidade em ver os seus ovos e as gaivotas recém nascidas - e sabemos que o instinto materno pode alterar o humor de qualquer fêmea!
Isto até ao momento em que fui directamente atacado – na cabeça – por uma delas! Não houve consequências de maior – mas, sem dúvida, foi uma lição sobre o comportamento desta espécie, de que não me irei esquecer!
E, embora me sentisse injustiçado (!), tive que reflectir mais uma vez sobre a relação entre o pecado humano e a criação que geme (Romanos 8:22). Lembrei-me de histórias de pescadores que, em lugares assim, estrelavam os ovos das gaivotas – e da falta de escrúpulos de coleccionadores (como eu, na minha infância!) de ovos das aves.
A maldade humana termina por ser muito mais subtil, variável e devastadora do que as reacções de defesa de outras espécies que por vezes nos atingem.
O dia na Berlenga terminou muito bem. O ataque da gaivota foi só um pequeno episódio passageiro – embora para mim uma surpresa estranha.
Gostava de convidar aqueles dos leitores do blogue que percebem mais do que eu de questões de ecologia a reagirem!
02 junho 2009
ÉTICA: (John Rawls, Robert George e os «consensos por sobreposição»).
Um convite para participar num debate na Faculdade de Medicina, orientado por Manuel Rainho e o GBU (na 5ª feira, 28 de Maio), constituiu para mim um grande desafio para me situar em questões éticas na sociedade pluralista em que vivemos. O debate tinha o título «Terá a Ética Contemporânea Pés de Barro?». Participaram também um professor da Faculdade e o nosso bom amigo Joaquim Rogério.
Vou tentar partilhar uma das conclusões da minha participação. John Rawls (professor em Harvard, falecido em 2002), defensor do liberalismo secular, dizia que, mesmo numa época como a nossa, podemos encontrar «consensos por sobreposição».
A sua ideia é mais ou menos assim:
Escreves num círculo os teus princípios éticos. Um marxista faz o mesmo. E um islâmico. E um humanista. Etc. Etc. Em algumas áreas algumas das convicções sobrepõem-se, apesar das diferenças de postura ideológica. Em algumas áreas ainda há consensos entre todos. É dentro destas áreas consensuais que temos que construir a nossa ética social, numa sociedade pluralista, e fundamentar a legislação.
Para Rawls, a pessoa que tem uma convicção ética que sabe que não é consensual tem que a sacrificar, por importante que seja na sua visão pessoal.
Numa obra recente («Choque de Ortodoxias», ed. Tenacitas, 2008) Robert George (professor em Princeton, nascido em 1955), examina vários dilemas éticos actuais. A sua postura é que existem leis naturais, criadas por Deus, que tornam possível argumentar a ética racionalmente, mesmo para pessoas que não partilham a nossa fé. A sua posição chama-se o «jus-naturalismo». Argumenta que há razões racionais para não liberalizar o aborto ou a eutanásia, por exemplo. Não ignora (e defende!) as razões bíblicas, mas acha que, mesmo sem passagens bíblicas, podemos mostrar o erro de quem pretende seguir estas práticas.
Os seus argumentos são concretos e frescos e, na minha opinião, a maior parte deles são perfeitamente aceitáveis.
O que não se consegue – nem na linha de George, nem na do eticista evangélico - é encontrar grandes «consensos por sobreposição» com Rawls, ou o liberalismo secular que ele representa.
Se, por exemplo, o meu entendimento do casamento, influenciado pela tradição judáico-cristã, afirma que é uma instituição inerentemente heterossexual – uma união intrínseca («uma só carne») - posso tentar encontrar uma área de «consenso por sobreposição» com o eticista secular que, entendendo que o casamento é apenas um contrato, com a instrumentalização da actividade sexual, favorece o casamento «gay».
O «consenso» esboroou-se. Só permanece a incompatibilidade.
Sugeri no debate que, na realidade, é a própria tradição judáico-cristã que permite algum tipo de consenso. Com o católico conservador, Robert George, por exemplo, encontro amplas áreas de sobreposição. Com eticistas não-cristãs que partem, subconscientemente, de uma base judáico-cristã, também ainda posso encontrar algumas.
Com os «eticistas» actuais do liberalismo secular, posso encontrar alguns valores residuais comuns (a importância de não mentir, alguns conceitos gerais de justiça social, por exemplo). Mas, quando chego à maior parte das grandes questões que se debatem hoje, verifico que já não há consenso possível.
Só que, com base na Bíblia e na razão, e com a ajuda de eticistas de valor como Robert George, ainda acho que tenho bases melhores e mais racionais para defender as minhas convicções éticas do que têm o liberalismo secular!
Vou tentar partilhar uma das conclusões da minha participação. John Rawls (professor em Harvard, falecido em 2002), defensor do liberalismo secular, dizia que, mesmo numa época como a nossa, podemos encontrar «consensos por sobreposição».
A sua ideia é mais ou menos assim:
Escreves num círculo os teus princípios éticos. Um marxista faz o mesmo. E um islâmico. E um humanista. Etc. Etc. Em algumas áreas algumas das convicções sobrepõem-se, apesar das diferenças de postura ideológica. Em algumas áreas ainda há consensos entre todos. É dentro destas áreas consensuais que temos que construir a nossa ética social, numa sociedade pluralista, e fundamentar a legislação.
Para Rawls, a pessoa que tem uma convicção ética que sabe que não é consensual tem que a sacrificar, por importante que seja na sua visão pessoal.
Numa obra recente («Choque de Ortodoxias», ed. Tenacitas, 2008) Robert George (professor em Princeton, nascido em 1955), examina vários dilemas éticos actuais. A sua postura é que existem leis naturais, criadas por Deus, que tornam possível argumentar a ética racionalmente, mesmo para pessoas que não partilham a nossa fé. A sua posição chama-se o «jus-naturalismo». Argumenta que há razões racionais para não liberalizar o aborto ou a eutanásia, por exemplo. Não ignora (e defende!) as razões bíblicas, mas acha que, mesmo sem passagens bíblicas, podemos mostrar o erro de quem pretende seguir estas práticas.
Os seus argumentos são concretos e frescos e, na minha opinião, a maior parte deles são perfeitamente aceitáveis.
O que não se consegue – nem na linha de George, nem na do eticista evangélico - é encontrar grandes «consensos por sobreposição» com Rawls, ou o liberalismo secular que ele representa.
Se, por exemplo, o meu entendimento do casamento, influenciado pela tradição judáico-cristã, afirma que é uma instituição inerentemente heterossexual – uma união intrínseca («uma só carne») - posso tentar encontrar uma área de «consenso por sobreposição» com o eticista secular que, entendendo que o casamento é apenas um contrato, com a instrumentalização da actividade sexual, favorece o casamento «gay».
O «consenso» esboroou-se. Só permanece a incompatibilidade.
Sugeri no debate que, na realidade, é a própria tradição judáico-cristã que permite algum tipo de consenso. Com o católico conservador, Robert George, por exemplo, encontro amplas áreas de sobreposição. Com eticistas não-cristãs que partem, subconscientemente, de uma base judáico-cristã, também ainda posso encontrar algumas.
Com os «eticistas» actuais do liberalismo secular, posso encontrar alguns valores residuais comuns (a importância de não mentir, alguns conceitos gerais de justiça social, por exemplo). Mas, quando chego à maior parte das grandes questões que se debatem hoje, verifico que já não há consenso possível.
Só que, com base na Bíblia e na razão, e com a ajuda de eticistas de valor como Robert George, ainda acho que tenho bases melhores e mais racionais para defender as minhas convicções éticas do que têm o liberalismo secular!
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