Um convite para participar num debate na Faculdade de Medicina, orientado por Manuel Rainho e o GBU (na 5ª feira, 28 de Maio), constituiu para mim um grande desafio para me situar em questões éticas na sociedade pluralista em que vivemos. O debate tinha o título «Terá a Ética Contemporânea Pés de Barro?». Participaram também um professor da Faculdade e o nosso bom amigo Joaquim Rogério.
Vou tentar partilhar uma das conclusões da minha participação. John Rawls (professor em Harvard, falecido em 2002), defensor do liberalismo secular, dizia que, mesmo numa época como a nossa, podemos encontrar «consensos por sobreposição».
A sua ideia é mais ou menos assim:
Escreves num círculo os teus princípios éticos. Um marxista faz o mesmo. E um islâmico. E um humanista. Etc. Etc. Em algumas áreas algumas das convicções sobrepõem-se, apesar das diferenças de postura ideológica. Em algumas áreas ainda há consensos entre todos. É dentro destas áreas consensuais que temos que construir a nossa ética social, numa sociedade pluralista, e fundamentar a legislação.
Para Rawls, a pessoa que tem uma convicção ética que sabe que não é consensual tem que a sacrificar, por importante que seja na sua visão pessoal.
Numa obra recente («Choque de Ortodoxias», ed. Tenacitas, 2008) Robert George (professor em Princeton, nascido em 1955), examina vários dilemas éticos actuais. A sua postura é que existem leis naturais, criadas por Deus, que tornam possível argumentar a ética racionalmente, mesmo para pessoas que não partilham a nossa fé. A sua posição chama-se o «jus-naturalismo». Argumenta que há razões racionais para não liberalizar o aborto ou a eutanásia, por exemplo. Não ignora (e defende!) as razões bíblicas, mas acha que, mesmo sem passagens bíblicas, podemos mostrar o erro de quem pretende seguir estas práticas.
Os seus argumentos são concretos e frescos e, na minha opinião, a maior parte deles são perfeitamente aceitáveis.
O que não se consegue – nem na linha de George, nem na do eticista evangélico - é encontrar grandes «consensos por sobreposição» com Rawls, ou o liberalismo secular que ele representa.
Se, por exemplo, o meu entendimento do casamento, influenciado pela tradição judáico-cristã, afirma que é uma instituição inerentemente heterossexual – uma união intrínseca («uma só carne») - posso tentar encontrar uma área de «consenso por sobreposição» com o eticista secular que, entendendo que o casamento é apenas um contrato, com a instrumentalização da actividade sexual, favorece o casamento «gay».
O «consenso» esboroou-se. Só permanece a incompatibilidade.
Sugeri no debate que, na realidade, é a própria tradição judáico-cristã que permite algum tipo de consenso. Com o católico conservador, Robert George, por exemplo, encontro amplas áreas de sobreposição. Com eticistas não-cristãs que partem, subconscientemente, de uma base judáico-cristã, também ainda posso encontrar algumas.
Com os «eticistas» actuais do liberalismo secular, posso encontrar alguns valores residuais comuns (a importância de não mentir, alguns conceitos gerais de justiça social, por exemplo). Mas, quando chego à maior parte das grandes questões que se debatem hoje, verifico que já não há consenso possível.
Só que, com base na Bíblia e na razão, e com a ajuda de eticistas de valor como Robert George, ainda acho que tenho bases melhores e mais racionais para defender as minhas convicções éticas do que têm o liberalismo secular!
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