«Lé, lé, pá».
Normalmente era tudo o que o nosso amigo, Sr. C., conseguia dizer, depois de um AVC severo que interrompeu a sua vida profissional activa como dono de uma pedreira.
A seguir a essa doença, a sua esposa passou por muitas dificuldades e, através delas e pelo testemunho de vizinhos crentes, chegou à fé em Cristo, passando a ser membro da igreja no tempo do pastor que me antecedeu. Na altura, dois dos seus filhos também fizeram profissão de fé em Cristo. E desde então ela continua incansável no seu testemunho a familiares e amigos.
Uma das alegrias dos meus primeiros anos de ministério pastoral foi a possibilidade de dirigir pequenas reuniões em lares, na Dagorda de Óbidos e na Lourinhã, em que a principal iniciativa em convidar pessoas para participar era dessa irmã.
O marido era acompanhante nas viagens e, frequentemente, ao passar por algum lugar que lhe chamava a atenção ou trazia recordações, dizia: «lé, lé, pá!». Dizia-o, como é natural, com entoações diferentes, conforme a situação. A esposa era a «tradutora» que percebia se estava a falar sobre primos em segundo grau que não tinham visitado durante 11 anos ... se estava a lembrar um acidente entre um carro e uma motorizada .... ou se era só que achava bonita a cor da tinta de alguma casa! Normalmente, ela sempre chegava a compreender e a interpretar bem... não percebíamos como. Houve só uma situação ou outra em que mesmo ela teve que desistir, para grande frustração dele!
As tentativas de recuperação da fala do nosso amigo, após a sua doença, não tinham dado grandes resultados. Na questão de respeito pela palavra de Deus, e gosto de a ouvir, no entanto, não há dúvida de que deu alguns bons passos em frente.
Houve tempos em que ele teve uma atitude bastante autoritária, apesar das suas limitações.
Houve tempos em que nos surpreendia com uma variação no seu discurso: «lé, lé, pá, caraças!», por exemplo. Mas o Senhor foi fazendo a Sua obra.
Quando cantávamos nas reuniões, a sua capacidade de pronunciar as palavras melhorava. No fim de cada reunião em que ele estivesse presente era obrigatório que cantássemos o coro:
«Em tuas mãos, em tuas mãos, quero, oh Deus, me colocar em tuas mãos.....».
Isto era, segundo contava a sua esposa, com emoção, por causa de um dia em que o marido lhe estava a dizer, com uma ênfase especial: «lé, lé, pá!». Ela teve alguma dificuldade em compreender a razão de tanto entusiasmo. Mas, a seguir, o marido começou a cantar: «Em tuas mãos, em tuas mãos....» E conseguiu chegar ao fim do coro pronunciando bem todas as palavras! No fim disso foram os dois que choraram e agradeceram ao Senhor!
Há uns 5 anos este nosso irmão faleceu. No dia do seu funeral houve oportunidade para a sua esposa explicar bem alto e com toda a convicção, para largas dezenas de assistentes, a maioria de fora do nosso meio, aquilo que o Senhor tinha feito nas suas vidas.
Depois no céu, sem qualquer dúvida, não hão-de faltar palavras!
(mais um «retalho da vida de um pastor» de Alan Pallister)
22 setembro 2009
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1 comentário:
Cada vez que cantamos "Em Tuas mãos" em Rio Maior me lembro desse irmão (e, claro, dos irmãos das Caldas da Rainha que estiveram connosco nesses dias difíceis)...
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