26 maio 2009

O tacto - e a vida genuína

No campo dos meus relacionamentos o tacto é uma virtude que prezo bastante. Sei perfeitamente que, quando preciso de dizer algo que pode parecer duro, há “maneiras e maneiras” de abordar o assunto. Posso conseguir fazer chegar essa mensagem de uma forma delicada e sem ofensa. E posso, até, transmitir algo que em si não tem ofensa nenhuma mas, pela maneira infeliz como o digo, magoar a pessoa.

Não recomendo que deixemos de procurar ser sempre pessoas de tacto.

Mas, em João 5:40-47, há uma passagem curiosa que mostra o outro lado desta questão. É que, na perspectiva de Jesus, há pessoas que primam de tal maneira pelo tacto que deixam de dizer – e até mesmo de acreditar – naquilo que é essencial. Jesus contrasta a sua própria postura («Eu não recebo glória dos homens») com a dos judeus que o estão a perseguir («Como podeis vós crer, recebendo honra uns dos outros, e não buscando a honra que vem só de Deus?»).

Na sociedade humana temos uma tendência de pautar as nossas acções por aquilo que o outro pode pensar. Há pessoas que, sendo convidadas para assistir a um culto evangélico, aceitam só se for em outra terra sem ser a sua, «por causa daquilo que os outros podem dizer». Quando, como crentes, temos uma crítica construtiva a apresentar a alguém – e a frontalidade exige que não deixemos de o fazer – muitas vezes falhamos, «porque os outros podem não achar bem».

Nas suas mensagens o pastor tem que ensinar, com base na Palavra de Deus, aquilo que as pessoas precisam de ouvir. Mas, em certos meios, ai dele se disser algo demasiado específico e algum irmão o entender como crítica directa. Já ouvi dizer, com um certo humor, que pregar a uma congregação é encarado como atirar frechas – mas sempre com o cuidado de errar ligeiramente o alvo. Se atingirmos mesmo o alvo, alguém vai-se sentir magoado e vai tomar medidas para deixar de nos ouvir – ou, o que é pior, para nos retirar a oportunidade de pregar! Mas lembremo-nos que a palavra grega traduzida por «pecado» no Novo Testamento tem exactamente este sentido de «errar o alvo». Onde é que isto coloca o pregador que é sempre tão cuidadoso?

No meio cristão, agir para receber “honra uns dos outros” é uma autêntica armadilha. Quantas reuniões e conversas se realizam para esclarecer outros irmãos sobre qual era realmente a nossa intenção ao agirmos como agimos? Vamos esclarecer para uns e depois - como há outros crentes cuja maneira de pensar é bastante diferente – a nossa primeira reunião exige uma segunda para esclarecer aquilo que estes outros podem ter ouvido que dissemos aos primeiros! E assim sucessivamente. Não estou a dizer que não possa, por vezes, ser necessário termos estes cuidados. Mas chega o momento, acho eu, em que devemos ter a coragem de assumir as nossas convicções – diante de Deus – e seguir com o curso de acção que em convicção consideramos que está certo, independentemente daquilo que os outros podem pensar.

Se não tivermos esta coragem, dificilmente poderá ser considerado que estamos a viver uma vida «genuína». Às vezes as decisões e actos que são precisos para vivermos esta vida genuína são justificados só diante de Deus. E a nossa tendência é multiplicarmos conversas e reuniões que têm essencialmente o propósito de nos justificarmos a nós mesmos – quando Aquele que nos justifica é o nosso Deus.

Quando a opinião pública prevalecente, dentro ou fora de uma igreja evangélica, está construída de tal forma que a verdade de Deus sobre alguns assuntos de primeira importância não pode ser dita, a procura de “louros” humanos elimina completamente a possibilidade de recebermos “louros” de parte de Deus. Jesus, em João 5:44, pergunta aos seus críticos entre os judeus se alguma vez podem crer, quando mantêm sempre em primeiro lugar esta preocupação.

E eu pergunto-me se uma igreja, que tem o nome de «evangélica», não deixará de o ser quando já não ensina aquilo que a Bíblia diz, por causa daquilo que os homens – os seus membros ou outros – possam pensar.























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12 maio 2009

FUNERAIS

O silêncio do blogue durante mês e meio deve-se, essencialmente, a uma série de funerais que, como sempre, interromperam as nossas actividades e nos envolveram de uma forma intensa com algumas das famílias enlutadas. Seis – num período de sete semanas. Três de pessoas da nossa igreja – e um de uma pessoa de família, o meu sogro.
Em todos os casos foram pessoas cujo testemunho de vida cristã foi convincente – o que permitiu manifestar a nossa convicção de que estão na presença do Senhor e aguardam o dia da Ressurreição, para reinarem em novos céus e nova terra. Só houve um caso em que a pessoa que faleceu não tinha atingido uma idade bastante avançada.

Impressionou-me haver umas centenas de pessoas presentes (em total) nestas ocasiões .... pessoas que assim fizeram uma pausa na sua rotina diária. O que pensará, nestas alturas, uma pessoa que não tem convicções claras acerca da vida além da morte? Será que aquilo que costumamos dizer nestas ocasiões é o suficiente para a pessoa, de uma forma esclarecida, poder vir a conhecer Cristo – na altura ou algum tempo depois?

Surgiu na minha mente uma crítica – espero que seja construtiva – da nossa maneira de estar e de falar, como evangélicos, nestas ocasiões. Num dos funerais o marido da falecida, que também dirigiu o funeral(!), manifestou a sua vontade de que outras pessoas falassem, mas não tanto acerca da sua esposa – dela já se tinha falado – como acerca de Jesus. E deu-lhes essa oportunidade. Mas, mesmo assim, os que falaram disseram mais acerca da falecida do que acerca de Jesus!

Precisamos de ajudar as pessoas não-cristãs (ou superficialmente «cristãs»), que nos acompanham nos funerais, a perceber a diferença que existe entre a esperança do cristão fundamentada na Bíblia – a salvação pela graça – e a esperança vaga que outras pessoas querem cultivar de a pessoa, por ter muitos méritos, ter ganho um lugar junto a Deus. Mas, normalmente somos muito pouco explícitos! Normalmente não anunciamos aos descrentes presentes que, independentemente dos seus méritos e esforços, o que os espera, se não aceitarem Cristo, é uma eternidade fora da presença de Deus. E assim não estendemos um convite para receberem a salvação pela graça, que é dada só e exclusivamente com base nos méritos de Jesus que morreu por nós. Coisas que costumamos dizer, talvez, nos nossos cultos evangelísticos na igreja, onde pode haver poucos descrentes presentes, não nos atrevemos a dizer nos funerais, onde normalmente há muitos!

No funeral do meu sogro, tive o privilégio de pregar (lutando bastante para dominar as minhas emoções), e resolvi falar claramente sobre estes assuntos tão básicos. Disse que acreditava que a morte dele poderia ser uma altura de novos frutos para o Reino de Deus. Para nossa alegria, soubemos depois que uma pessoa (que até hoje não conhecemos pessoalmente) se tinha convertido nessa ocasião!

Mais uma razão para me sentir muito pequeno - mas para sentir, ao mesmo tempo, que estou ao serviço de um Deus muito grande