31 agosto 2009

Sei lá onde é que ele está!

Esta palavra foi para mim uma das mais tristes que ouvi em anos de ministério pastoral. A incerteza manifestada foi de uma pessoa cujo marido falecera poucos dias antes. Ambos eram idosos e eram membros, baptizados recentemente, da nossa igreja. Um dia fomos visitar o casal. A senhora atendeu e perguntámos pelo marido. Disse-nos que tinha falecido dias antes e que o funeral tinha sido católico.
Tentei conter a tristeza que senti por ela nem sequer nos ter contactado. E disse algumas palavras no sentido de ela ter, da parte do Senhor, a consolação de saber que o seu marido agora estava com Ele. E a sua resposta foi esta: “Sei lá onde é que ele está.....!”.
Dificilmente conseguimos manter a conversa a seguir: tivemos uma vontade enorme de desaparecer logo para podermos chorar, em outro lugar, a falta de convicções ..... de pessoas que diziam ter abraçado a fé evangélica.
Ainda não vivíamos na época das igrejas «grandes», intituladas carismáticas, que, regra geral, não incluem na sua lista de convicções doutrinárias a certeza que o crente pode e deve possuir da sua salvação eterna, a partir do momento em que se arrepende dos seus pecados e aceita Jesus como Salvador e Senhor....
Agora, em retrospectiva, parece-me que, mesmo assim, a nossa igreja tinha estado a «crescer», em parte, com base em pessoas que não compreenderam verdadeiramente a doutrina da salvação. Depois ela não pôde continuar neste processo de «crescimento», porque outros vieram, com aparência de maiores milagres, para pregar a mensagem truncada de «salvação» sem segurança.
Outra senhora recém baptizada, quando a conheci pela primeira vez, apresentou-se como «uma alma salva pelo Pt. X....» Não me atrevi a dizer o óbvio... que teria sido melhor ela ter sido salva por Jesus. Visitámo-la várias vezes, mas para ela igreja sem Pt. X. não era igreja.....

É preciso, obviamente, ter algum cuidado com aquilo que digo aqui. Não estou a afirmar que o meu antecessor, sendo baptista e de convicções doutrinárias conservadoras, tenha pregado a tal doutrina truncada (que depois outras igrejas adoptaram por método). Também não creio que o seu esforço notável na evangelização tenha sido em vão. Pelo menos duas pessoas convertidas nessa altura tornaram-se depois membros dedicados da igreja com uma acção evangelística muito significativa... (apesar de uma delas posteriormente ter sido aliciada para se afastar da igreja). E acredito que haverá muito mais «fruto» genuíno do trabalho do meu colega que se verá no dia do Senhor.
Nem estou a dizer que o nosso trabalho evangelístico tenha sido melhor. Somos bastante menos dotados nessa área e a nossa atenção principal teve que ir para outras áreas. E também terminámos por baptizar algumas pessoas que, posteriormente, vimos que não tinham compreendido bem o significado desse passo..
A minha queixa é mais acerca da maneira como costumamos falar no crescimento numérico da igreja, contabilizando baptismos, e medindo o valor do nosso trabalho desta maneira. Pelo menos deve ser uma preocupação séria, cada vez que ajudamos uma pessoa a dar este passo,... que tenha compreendido bem Quem é o seu Salvador e qual é a salvação que Ele oferece.

27 agosto 2009

Ora são vocês... ora somos nós

O padrão repete-se nos países democráticos: ora P.S. ..... ora P.S.D., ora trabalhistas, ora conservadores. Pode haver uma Thatcher ou um Blair que se mantenham mais algum tempo .... mas chega o dia em que o povo reclama a mudança.
Cedo no meu ministério pastoral tive que considerar a validade deste modelo de poder ...... dentro de uma igreja. Só que com uma diferença. Os dois «partidos» não tinham nomes como os partidos têm: eram blocos familiares que se ocupavam alternadamente do trabalho da Escola Dominical, por exemplo, mas nunca os dois ao mesmo tempo.
O pastor não fazia parte de nenhum destes blocos. Para ele ter sido chamado – também por voto democrático – tinha que, de alguma maneira, ter reunido o acordo dos dois blocos. Ou podia não ter havido grande alternativa ... e era chamado mesmo assim (como pode ter sido o caso comigo!). Depois o pastor tinha que aceitar o modelo do poder alternado, tentando manter um equilíbrio difícil, «deitando água na fervura» nas alturas de maior conflito.
O seu papel também era presidir em reuniões deliberativas, habitualmente tempestuosas. Mas não era ele que dava linhas de orientação – mesmo sobre questões de fundo. Era apenas o «presidente da mesa» (estava obrigado a isso pelos estatutos). Quando muito podia «elaborar propostas» para a Junta Administrativa considerar e era esta que, se concordasse, as apresentava à igreja: só que a Junta tendia a ter elementos de ambos os blocos e dificilmente sairia de um corpo tão anómalo alguma orientação de fundo que tivesse interesse.
Aqueles que pretendiam forçar as suas posições – ou que, sendo criticados, pretendessem defender-se - geralmente faziam-no pedindo demissão das suas funções e voltando depois a elas (para “salvar o barco” em momentos de crise), deixando de dar os seus dízimos durante meses seguidos (para o pastor ter que lhes perguntar qual era o problema) ou deixando mesmo de ser membros da igreja (porque depois, a seguir a uma crise mais profunda que inevitavelmente havia de surgir, podiam voltar).
Quando havia questões delicadas que precisavam de ser votadas nas reuniões de igreja, podia haver um trabalho intensivo, junto aos membros mais moderados ou menos prevenidos, para tentar granjear votos. Assim foi, por exemplo, quando faltava um presidente para a União de Homens (grupo este que não existia de facto – mas como o seu «presidente» tinha assento na Junta, alguém tinha que ser eleito!).
Uma das tónicas no meu ensino, nos primeiros tempos, teve que ser que a igreja é em primeiro lugar uma teocracia, mais do que uma democracia. Por não ter uma natureza autocrática, não tendia, como alguns pastores talvez tendam, a cair no erro de confundir a teocracia com o governo da igreja pelo pastor.
Ensinava o envolvimento de todos os crentes nas decisões da igreja (como parte do seu sacerdócio).
Mas a democracia, nos termos que se pretendiam, não me convencia.....

22 agosto 2009

RETALHOS DA VIDA DE UM PASTOR (1)

Consagrado pastor! Com 40 anos!
Sem dúvida a alegria que senti em 15 de Junho de 1991 foi muito grande... para mim e para a minha esposa e (creio) para os meus filhos.
Não sabia aonde iria ser chamado a servir – mas alguns membros da Igreja de Caldas da Rainha estiveram presentes no culto de consagração em Coimbra. Estavam a precisar de um pastor....
Só que eu tinha feito uma ressalva para mim: que Deus não me chamasse para uma igreja que tivesse um projecto de construção de novo templo....
Por outro lado, eu disse que estava disposto a seguir para onde o Mestre chamasse!
Já vi em vários lugares que o “sentido de humor” de Deus é assim. Quando usamos a palavra “excepto...”, é para essa excepção que Ele tende a levar-nos.
Pensámos bem no significado do nosso compromisso e, apesar do “excepto”, aceitámos o convite que a igreja de Caldas nos dirigiu.

O meu antecessor em Caldas, missionário brasileiro, tinha feito um trabalho esforçado na área da evangelização e também tinha montado uma campanha para o levantamento de fundos para o novo templo, um projecto esplêndido para um espaço que ficava ao pé da Universidade. Inspirada na campanha de Gedeão, em Juizes 6 a 8, era a «Campanha dos 300 Valentes». Como a igreja, na sua lista de membros, tinha menos de 100 membros, a ideia aparentemente era interessar outros – para aumentar a lista dos «valentes» até aos 300. Homens de negócios da cidade, familiares, irmãos de outras igrejas... iriam aumentar as fileiras – até chegarmos aos 300....! E quem sabia se o crescimento numérico da igreja, seguindo no ritmo da altura, não iria em pouco tempo chegar a esse objectivo, mesmo sem contar com os outros?

Só que era uma igreja em que muitas das pessoas não se entendiam. Logo nos primeiros dias recebemos visitas formais de membros, muitas vezes com generosas ofertas de alimentos, mas que em vários casos tinham o objectivo discreto de nos prevenir contra certos outros membros em quem não se podia confiar.... Dentro de pouco tempo, diziam as pessoas em cada grupo, iríamos perceber por quê!

E, nos cultos, muitos dos quase 100 membros já “brilhavam” pela ausência!

Para me sintonizar com o espírito da Campanha dos 300 Valentes, comecei a pregar uma série de mensagens sobre a história de Gedeão. Fiz rapidamente uma descoberta bastante relevante. O número «300» no texto bíblico não é o resultado final de um projecto de crescimento (nem muito menos da integração de outros elementos de boa vontade para aumentar o número do exército de Israel): é o resultado final de um projecto de selecção, sendo escolhidos por Deus apenas aqueles que O amam e servem de coração.

Começámos a pensar: «será que há 30 que reúnem estas condições?»

19 agosto 2009

Fruto


«Cristo ..... a quem anunciamos, admoestando a todo o homem, e ensinando a todo o homem, em toda a sabedoria, para que apresentemos todo o homem perfeito em Jesus Cristo», Col. 1:27-28.



Num domingo de manhã duas estudantes húngaras, a Ester e a Sofia, que não são evangélicas, visitam a igreja baptista em Caldas da Rainha e participam num almoço no «Canto da Rola», mas sem a presença dos responsáveis (Alan e Celeste), uma vez que estes estão em férias. No dia seguinte elas sofrem um acidente de automóvel com o Andrew, com o Artur (marido da organista da igreja) e com a Mattie (filha da organista) a conduzir. O Andrew sofre várias fracturas da bacia, de algumas costelas, da omoplata e da clavícula; a Ester e a Sofia sofrem fracturas da bacia e o Artur das duas pernas. Só a Mattie não tem feridas.

Durante mais de 15 dias, e antes de poderem regressar ao seu país, a Ester e a Sofia recebem visitas diárias no hospital de membros da igreja e de outros amigos. O Artur também recebe. Durante 5 semanas o Andrew, internado no Hospital de Santa Maria, recebe visitas todos os dias sem falhar, de familiares, de crentes residentes em Lisboa e de membros da igreja das Caldas que se deslocam a propósito.

Já há bastante tempo que tenho a impressão que o nosso hábito de avaliar as nossas igrejas quantitativamente (número de membros, número de baptismos celebrados anualmente, etc.) é o resultado de uma obsessão errada. Não será mais importante ainda a marca do cristianismo genuíno que Jesus apontou em João 13:35:

«Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros»?

O amor que a comunidade tem para dar extravasa: não é só para os seus membros. Neste caso duas pessoas estrangeiras que são quase «adoptadas» por uma igreja nem sequer são crentes evangélicos. É este amor que ocupa o primeiro lugar na lista que descreve o fruto do Espírito em Gálatas 5:22.

Quando aos 40 anos fui consagrado pastor, defini sempre como os meus objectivos ensinar e acarinhar a igreja local para que ela desse este fruto. Manifestamente privilegiei o objectivo da qualidade mais do que a da quantidade. A nossa igreja ainda tem muito mais por realizar: mas sinto que está claramente no caminho certo.

Como a igreja nem sempre foi assim, e como o percurso que levou até este ponto foi complicado e (como todas coisas na vida) envolve aspectos tristes e outros cómicos, tive recentemente a ideia de partilhar alguns momentos vividos com os leitores do blogue. Sem dramatizar. E sem que ninguém mencionado seja condenado por aquilo que fez (ou por aquilo que eu, na minha interpretação, julgo que fez!).
Aqueles que não tiverem passado já para a presença do Juíz que sabe todas as coisas (e alguns passaram) naturalmente ainda terão as suas oportunidades para se corrigirem e para crescerem.
Como eu também espero ter!

17 agosto 2009

Muletas

Este blogue não foi concebido essencialmente para tratar de questões de família! Mas a última vez que escrevi foi para descrever um passeio com o Andrew à Ilha da Berlenga. E, depois, o Andrew (como muitos sabem) teve um acidente.... Parece que é um membro da família cuja presença no blogue se está a impor! Ainda por cima, não escrevi durante seis semanas por causa de toda esta situação.

A fotografia em cima é para vos mostrar uma forma de apoio que ele não precisou de usar.

Aproveito primeiro para transmitir desta forma os nossos agradecimentos a Deus pela maneira como preservou o Andrew e mais quatro amigos de consequências mais graves ou permanentes... apesar de quatro do grupo terem sofrido fracturas da bacia e outras fracturas e traumatismos.

E, em segundo lugar, para agradecer a dezenas e dezenas de amigos que visitaram, telefonarem, mandaram E-mails e oraram por ele e por nós. Sei que isto inclui vários que também são leitores do blogue.

Disseram numa altura que era preciso arranjar «muletas axilares» (que não devem ser confundidos com canadianas) para uma fase da sua recuperação. Duas lojas de ortopedia em Caldas – e mais dez em Lisboa..... nenhuma tinha para uma pessoa com 1,93 metros! Cheguei de volta ao Hospital de Santa Maria, cheio de calor e frustrado por não encontrar as muletas ... e o Andrew disse que o tinham aconselhado afinal a não usar!

Agora está em casa e esteve duas vezes na igreja, para o espanto dos irmãos que se tinham empenhado tanto em apoiá-lo (e aos outros). E, para ir até lá, nem sequer precisou de usar uma canadiana!

A história das muletas lembraram-me uma polémica de alguns anos atrás - em Inglaterra. Era hábito dizer que «Deus» era uma «muleta» para pessoas com fraquezas e limitações que não tinham a autonomia suficiente para resolver os seus problemas sozinhos.

Quando surgem experiências como esta que nos aconteceu vejo cada vez mais claramente que Deus é Quem dirige tudo e faz sentido de tudo. É o Soberano que dá a vida, retira-á, poupa a vida de acidentados quando assim entende, de acordo com os Seus propósitos de justiça e amor, usa médicos e fisioterapeutas, opera milagres (com ou sem os recursos médicos), dá ao corpo humano uma capacidade extraordinária de recuperar - e, não menos, dá-nos o apoio uma família extraordinária cristã. Se depender destes factores todos é recorrer a «muletas», não vou fazer de conta que sou forte! É que, dependendo deles, tenho tudo o que preciso para viver!