24 fevereiro 2010

Filhos (2)

E, agora, a parte financeira!
Acontece que a nossa família tinha uma característica que complicava ainda mais a situação. A minha esposa, sentindo-se também vocacionada para o ministério na igreja, e tendo uma parte indispensável nele, não recebia salário. O meu salário teria sido suficiente para uma pessoa. Numa altura, perante as pressões, a Celeste aceitou uma colocação numa Escola próxima, para ajudar de maneira ao «barco» não se afundar.
O facto é que a experiência não correu bem – nem a nível da escola, nem a nível da família. Antes os filhos podem ter desejado estar só com o pai: depois perceberam que o pai, envolvido em muito trabalho e ausente uma parte do tempo no Seminário, não podia dar-lhes o apoio que precisavam.
Durante um tempo valeu-nos o produto da venda de uma propriedade, que tinha vindo da herança dos meus pais. Valeu-nos durante o tempo todo o valor que recebia pelas aulas que ministrava no Seminário Teológico Baptista. Valeu-nos também o facto de amigos que recebiam cartas circulares nossas – uma vez que éramos associados (isso é, sem sustento certo) da Missão Cristã Europeia – enviarem ofertas ocasionais. Normalmente era num momento de grande aperto que chegavam estas ofertas, e de uma forma inesperada. Valeu-nos também as pessoas na igreja (mesmo aquelas que passaram a ser «da oposição») nos oferecerem alimentos da sua lavra.
É verdade que os filhos se queixavam do facto de não terem o nível de vida que os seus colegas tinham. Na nossa família também eram feitas as habituais queixas, pela nossa roupa não ser «de marca»! Por outro lado valorizavam férias em família, no campismo, privilégio que muitos dos seus colegas não desfrutavam , mesmo em casos em que os pais ganhavam muito mais. (Uma vez as nossas férias, no parque de campismo de Góis, foram perturbadas por notícias da igreja recebidas por telefone – quando a «oposição» aproveitou a altura para preparar um abaixo assinado, preparando para a reunião que iria exonerar-me. Mesmo assim, acredito que os filhos tenham gostado dessas férias – talvez mais do que nós!).
Sofreu-se muito aperto para eles poderem seguir com os seus cursos superiores! Mas seguiram. E todos, menos o último, já acabaram! E as propinas foram pagas, graças em parte também as bolsas que receberam.
Os temperamentos são diferentes. Acredito que alguns deles tenham sentido mais a experiência de aventura envolvida numa vida assim – e que outros preferissem na altura não ter que passar por esses apertos e peripécias. Mas acredito também que, depois, souberam dar mais valor àquilo que lhes vinha – do trabalho, mesmo do serviço evangélico de tempo integral (no caso de um dos quatro) – graças a essas dificuldades. Também a sua família manteve-se unida: muitas vezes viram grande sofrimento nas famílias em que os pais, mesmo ganhando muito melhor, tinham problemas de relacionamento ou se divorciavam.
Creio contudo que, hoje, se eles citarem Romanos 8:28, não será para manifestar uma atitude de revolta ou ironia. Alguns com mais entusiasmo do que outros – mas creio que todos poderão confirmar que este texto expressa a verdade que experimentámos!

17 fevereiro 2010



Teremos algumas leituras de textos de pensadores políticos e depois muita troca de ideias a partir deles e com a ajuda destas pessoas:
Tiago Aragão - responsável da aepjovem, advogado, pastor da Acção Bíblica de Sesimbra, deputado municipal pela CDU em sesimbra.
Joaquim Mateus - ex-líder do PSD norte, presidente da Junta de Freguesia de São João da Madeira, empresário, ancião na igreja de Cucujães.
Marta Gomes - professora, igreja dos irmãos de Coimbra, líder distrital do PS Coimbra
Trajano Martins - líder de jovens da igreja dos irmãos de Sangalhos, assistente social na Misericórdia do centro, candidato não eleito pelo CDS a presidente da Junta de Freguesia de Sangalhos
Samuel Cerqueira - economista, assessor na Segurança Social nacional, pensador de esquerda

13 fevereiro 2010

Sacudir o pó?

Ainda antes de seguir, com «Filhos 2», parece-me que a resposta do Samuel (Nunes) merece uma resposta específica. O Samuel diz que é bíblico um pastor sair de uma igreja em que as pessoas não o desejam, sendo este o princípio de «sacudir o pó das sandálias» (ou dos «pés»!).

Pode acontecer o Samuel e o Tó-Zé Queiróz, que tiveram a amabilidade de manifestar as suas opiniões, terem lido algumas postagens e não outras anteriores e, dessa maneira, não terem percebido que estava a contar acontecimentos de 10 anos atrás. Como vivo feliz agora, na mesma igreja (mas sem a presença dos destabilizadores), não me parece que venha muito a propósito discutir se teria sido «bíblico» ou não sair, em 1998 ou antes! Naturalmente na altura, sair teria sido uma das opções «bíblicas» possíveis: permanecer também acho que era. Acontece que o Senhor nos ajudou a compreender que sair não era a Sua solução, na situação específica – e que dez anos da história posterior da igreja deram-nos muitas razões para confirmar isso.

Sair, como Samuel diz, seria uma forma de «sacudir o pó». Mas Jesus deu este conselho aos doze discípulos, quando estes fossem para determinadas terras judaicas que não aceitassem a mensagem do reino. Não o deu a pastores que fossem nomeados para cuidar de igrejas já estabelecidas. Para estes acho que os conselhos de Paulo a Tito (1:5-11) viriam mais a propósito. O método bíblico para tratar dos insubordinados é tentar ensinar, persuadir, repreender e, em última análise disciplinar. Isto por amor aos que fazem parte da igreja e sinceramente desejam fazer a vontade do Senhor, mesmo que estejam temporariamente na minoria.

Cada postagem que escrevo constitui uma pequena parte da história. Mais para a frente quero salientar o facto de o Senhor nos ter concedido o privilégio de podermos disciplinar aqueles que precisavam dessa disciplina e assim, daí para a frente, termos uma igreja que, com todas as suas limitações, era e é digna do nome de igreja. O objectivo de Jesus é «santificar a igreja, tendo a purificado com a lavagem de água, pela palavra» (Efésios 5:25). O preço que pagou, em termos de sofrimento injusto, foi muito maior do que os incómodos que eu e a minha família sofremos. Mas foi Ele que nos deu o privilégio de nos sentirmos parte do seu próprio sofrimento – com objectivos semelhantes.

Pusemos a nós próprios, em várias alturas, diante do Senhor, a hipótese de sair. Colegas aconselharam a nossa saída. Cada vez parece que algo bloqueou essa hipótese: creio que foi o próprio Deus que a estava a bloquear.

A história posterior confirmou que Ele tinha dirigido assim. Se algum colega, confrontado com problemas semelhantes, sai de uma igreja, não reprovo a sua opção. Mas também creio que haverá igrejas em que – como foi no nosso caso – vale a pena lutar e sofrer - um pouco - para que haja mudança a longo prazo.

É verdade, como diz o Samuel, que as igrejas filiadas na Convenção Baptista sofrem dificuldades, algumas vezes, por causa de algumas limitações do sistema democrático. Mas outras igrejas também as sofrem. E igrejas menos democraticamente organizadas também as sofrem – sempre quando há pretensos «donos» que querem facilitar em questões de doutrina ou ética bíblicas. O Samuel tem razão em dizer que os pastores de outras igrejas às vezes erram em dar a sua «bênção» à causa destes elementos.

Obrigado aos que responderam! É bom poder continuar a contar a história – mas com estas interrupções, para poder reagir ao que alguns leitores vão comunicando!

06 fevereiro 2010

Filhos....

Nos meus «retalhos» já cheguei ao ponto de descrever, em linhas gerais, o processo envolvido na segunda tentativa de membros da nossa igreja se «libertarem» do nosso ministério incómodo.
Mas, alguém pode estar a pensar: «vocês – Alan e Celeste – tinham uma vocação de parte de Deus para estarem nesse lugar. E os filhos? Eles foram por vocação? Tendo sido arrastados para uma igreja em que muitos elementos não iriam respeitar a pessoa ou o ministério dos seus pais, como é que eles poderiam atravessar as crises, sem ganhar uma aversão total para o “ministério evangélico” em que os seus pais estavam comprometidos. E mesmo para a igreja em que se encontravam, mas sem ser por escolha própria?
E, na parte financeira, havendo essa redução drástica do salário, relativamente àquela que inicialmente nos tinham dito, como é que os filhos poderiam completar o ensino secundário e universitário, sem ser numa situação de pobreza extrema e sem sentir uma grande revolta como consequência?
Gostava de dar algumas respostas a estas questões hipotéticas – questões que nós já nos colocámos muitas vezes na altura. Por respeito a cada indivíduo que faz parte da minha família, vou falar em termos bastante gerais.
Em primeiro lugar, é verdade que os filhos sentiram a mudança, uns mais do que outros. O Ricardo, já adolescente, sofreu pela separação dos seus colegas de escola e igreja, de Coimbra. A Lilian e o John sentiram a dificuldade própria de terem que mudar de escola duas vezes. (O Andrew era demasiado pequeno nessa fase para notar o problema). Mas, como é óbvio, este tipo de situação surge muitas vezes com outros tipos de mudança que os pais têm que fazer, sem ser só mudanças por causa do ministério numa igreja.
Em segundo lugar, a vida da igreja sempre teve a sua parte positiva. Experiências agradáveis foram vividas em muitas ocasiões, houve convívios e boas lições foram dadas, mesmo por pessoas que depois entraram em conflito. Nos sermões acredito que tenham aprendido algumas coisas, uma vez que o método expositivo pode ter valor não só para adultos mas para os mais novos também. No culto doméstico (quando não descuidávamos!) foi possível manter a comunicação na família, tentando explicar de algumas maneira quando as situações estavam a «azedar».
Na altura do voto em 1998, para decidir se eu ia ser exonerado, havia uma sensação entre nós de companheirismo na luta. Tendo sido o voto por escrutínio secreto, não posso afirmar categoricamente que todos os filhos tenham votado a favor da nossa permanência! Se algum estava tão cansado da luta que votou contra, posso manifestar aqui a minha compreensão para ele. Mas há qualquer coisa que me diz que eles devem ter apoiado a nossa permanência, compreendendo, no mínimo, que era importante para nós, os pais, seguirmos a nossa vocação e (quem sabe?) talvez vislumbrando um futuro melhor, mesmo para eles, de acordo com as promessas de Deus.
Sobre a parte financeira, espero falar na próxima postagem.