28 outubro 2009

Os problemas de disciplina (PD) na igreja... especialmente os não resolvidos (PDNR)....

Agora voltamos aos «Retalhos da Vida de um Pastor»!

Esta postagem é fruto de alguma experiência pastoral, tem a ver com realidades que se manifestam em todas as igrejas – e, através dele e o diálogo resultante, com aquilo que podemos aprender uns dos outros. Tentarei evitar pormenores demasiado delicados para serem partilhados. As siglas PD significam problemas de disciplina (na igreja). Podem ser qualificados, entre outras maneiras, como pequenos (P), desnecessários (D), resolvidos (R, ou não resolvidos (NR).

Não vou ensinar aqui como é que se faz disciplina da igreja. Os meus textos de base são Mateus 18:15-20 e 1 Cor. 5. Tratam de praticamente tudo o que é preciso dizer à partida.
Os «PD»s em geral têm a ver com as áreas clássicas: sexo, dinheiro e poder.
Hoje, neste blog, os «PD» mais focados vão ser os não resolvidos, os PDNR.

As igrejas evangélicas às vezes gostam de «crescer» umas à custa das outras. Costumam dizer que não. Mas no fundo, se puderem (de preferência sem darem muito nas vistas) – muitas vezes gostam.....
Por exemplo, uma pessoa é disciplinada por uma igreja de outra denominação. Vem contar o tipo de disciplina que foi exercida e diz que é obviamente um problema pequeno (PDP): quem é que se lembraria de disciplinar uma pessoa por um problema desses?
Uma vez um elemento que frequentava a nossa igreja, e que estava numa situação dessas, veio falar do pequeno problema que tinha levado à sua exclusão de outra igreja. Queria passar a ser membro da nossa igreja, onde os seus dons seriam úteis. De facto considerava a disciplina que tinha sido exercida completamente desnecessária (um PDD!).
Expliquei-lhe que todo o PD tem a ver com o corpo de Cristo em geral, não só com uma denominação. Transitar de uma denominação para outra não resolve um problema. Disse-lhe que ia contactar o pastor da sua igreja, para poder avaliar melhor a situação. Marquei primeiro uma conversa com o pastor. Depois, os dois pastores marcámos uma conversa com a pessoa em questão.
O problema é que, depois dessa confrontação com a pessoa, vi claramente que o problema de disciplina nem era pequeno nem era desnecessário! Na conversa inicial, que a pessoa tivera só comigo, parecera! Mas a sua dificuldade não tinha sido minimamente resolvida. Embora simpatizando com a pessoa, vi que ela não estava disposta a fazer um jogo aberto e franco com outros que tinha prejudicado. Para os dois pastores a conclusão era clara: para já, a pessoa não poderia ser membro de uma igreja nem de outra.
E, se eu tivesse aceite a pessoa, ignorando o seu «pequeno problema», para acrescentar mais um elemento à lista de membros da minha igreja? Ou se o outro pastor tivesse «feito vista grossa», dizendo que o problema já não tinha importância, para ter a sua ovelha de volta ou para que não fosse «perdida» para a sua denominação?!.
Ficámos com um problema que não se resolveu. Mas, para a integridade das nossas respectivas congregações, não terá resultado algum benefício, do facto de como pastores termos marcado posição em harmonia um com o outro? (AP)

20 outubro 2009

CALVINO ENCONTROU ERROS NOS TEXTOS BÍBLICOS?

Na sua resposta à minha última postagem, o John (Pallister!) cita um artigo interessante de John Perry que dá evidência de nem Lutero nem Calvino terem acreditado na inerrância bíblica, no sentido em que esta é geralmente entendida hoje. Sobre Lutero não comento: já muitas pessoas, que em outras matérias o respeitam muitíssimo, encontraram incoerências deste tipo na sua obra.

Em relação com Calvino, devo dizer que alguma admissão que ele faça, de um texto bíblico ser menos do que «inerrante», além de ser extremamente rara, retira pouco da avaliação geral que o reformador faz das Escrituras como puras e perfeitas.

Por exemplo, o artigo de Perry só cita um exemplo relacionado com Calvino. Cita o seu comentário sobre Mateus 2:1-6, em que o reformador diz que a «estrela» que conduziu os magos a Jesus deve ter sido um cometa. Diz que não há impropriedade no facto de Mateus, que usa a linguagem popular, o chamar incorrectamente uma estrela.

Este não é um problema no texto da Bíblia que cause problemas aos que defendem a inerrância hoje, uma vez que eles admitem que Deus Se comunica algumas vezes em linguagem popular, fazendo descrições da natureza com base na observação («Declaração de Chicago sobre a Inerrância da Bíblia», Artigo XIII). Na minha opinião Calvino teria sido mais fiel ao seu próprio princípio se não tivesse usado aqui a palavra «incorrectamente». Não havia na sua época um debate aceso sobre a questão da inerrância que o obrigasse a escolher uma palavra melhor neste ponto! Mas dizer, como alguns (não incluindo Perry, que de facto não o diz) que há muitas passagens deste tipo em Calvino seria um exagero imperdoável. Dizer que Calvino tem um conceito de inspiração ou autoridade que admita uma margem de erro na Bíblia é também completamente falso.

Já ouvi dizer, por exemplo, que Calvino negava que Pedro tivesse sido o autor de 2 Pedro. De facto o que ele diz sobre o assunto é o seguinte:
«Se for recebida como canônica, temos que admitir Pedro como o seu autor, uma vez que tem o seu nome inscrito, e ele também testemunha que viveu com Cristo: e teria sido uma ficção indigna de um ministro de Cristo, ter-se apresentado como outro indivíduo. Daí concluo que deve ter procedido de Pedro, não no sentido de ele próprio a ter escrito, mas que alguns dos seus discípulos puseram em forma escrita, por ordem dele, aquelas coisas que a necessidade dos tempos exigiam. Porque é provável que já estivesse numa idade muito avançada, porque ele próprio diz que está perto do fim» (Comentário sobre II Pedro).

Haverá algum «inerrantista» de hoje que não aceite, pelo menos como princípio, este tipo de raciocínio cuidadoso?

Calvino também acha que Mateus 27:9 devia citar o nome do profeta Zacarias e não o de Jeremias. Mas não diz se é um problema do texto original – ou se é um problema textual surgido depois. Com uma exemplar humildade afirma que não sabe como é que o nome de Jeremias se introduziu aqui.

O exegeta sério de todos os tempos, antes e depois de ter sido inventada a palavra «inerrante», sabe muito bem que numa determinada altura surgem aparentes discrepâncias (as que encontro pessoalmente são poucas e pequenas) que não conseguimos resolver. E que a nossa maior sabedoria nesses casos não é abandonar uma doutrina que a própria Bíblia ensina. É dizer: «neste caso, não sei»!.

13 outubro 2009

Calvino ainda fala - 500 anos depois!

Interrompendo a série de «retratos da vida de um pastor», gostava de comentar um acontecimento em que participámos na celebração dos 500 anos desde o nascimento do grande reformador.
No sábado, numa série de debates organizados pela Igreja Presbiteriana na Universidade Lusófona, participei, a convite do David Valente (agora o nosso sobrinho por afinidade) sobre o tema de Calvino, exegeta das Escrituras. Nessa sessão, o Pastor José Manuel Leite e o nosso amigo Tim (Dr. Timóteo Cavaco!), também participaram.
Em primeiro lugar devo confessar que o Pastor Leite tinha preparado a sua participação de uma maneira muito mais completa do que eu. Tive que lhe agradecer a sua brilhante exposição – em que ele explicou ponto por ponto aquilo que eu dissera só resumidamente.
Só que no princípio o Pt. Leite disse que se sentia menos calvinista «desde» que fizera esta pesquisa. Interrogado sobre este desabafo, disse que antes de a fazer tinha a ideia de que Calvino era mais liberal! Então eu tive que dizer à assistência que, exactamente por causa dos pontos que o Pt. Leite tinha exposto, me sentia ainda mais calvinista!

Uma das questões levantadas no debate foi a inerrância bíblica: o termo, tendo surgido séculos depois, não é de Calvino mas, no meu entender, o conceito é. Calvino acreditava que a Bíblia, como originalmente fora dada, está livre de erros. Não encontro nenhuma passagem em Calvino em que o reformador admita a possibilidade de terem existido erros nos manuscritos originais da Bíblia.
Será que algum leitor deste blog já encontrou alguma?

Depois a Pastora Eva Michel fez uma brilhante e comovedora exposição das doutrinas da eleição e da predestinação (e mesmo a reprovação!) em Calvino – e em Romanos 8 e Efésios 1 – referindo-se ao contexto de sofrimento injusto em que as palavras originalmente foram escritas. Teríamos ficado encantados se ela não tivesse dito também que, embora reconhecesse que Calvino acreditava nestas doutrinas, ela não acreditava!

O pastor Manuel Pedro Cardoso, expondo a doutrina calvinista da igreja, referiu que dos «cinco pontos» do calvinismo se ficava só pelo primeiro (a depravação total do homem). Só que neste caso trata-se de um colega e amigo que conhecemos e respeitamos há muitos anos e sabemos que, mesmo nos restantes quatro pontos, não estará tão longe das convicções do reformador como os outros prelectores aparentemente estão!

Surgiu um momento de tensão – mesmo conflito – no debate quando um dos pastores presbiterianos presentes declarou que, na sua convicção, haverá oportunidade, consciente ou inconscientemente, para todas as pessoas aceitarem Cristo, mesmo depois da sua morte, e que Deus na Sua graça terminará por salvar todos. De facto foi isto o que alguns professores do seu Seminário, sob a influência da Alta Crítica e de Karl Barth, lhe ensinaram, já há longas décadas.

A Celeste – a minha esposa – protestou com bastante emoção contra esta afirmação (que de qualquer forma não vinha muito a propósito!), com base em afirmações da Bíblia que dizem claramente o contrário.

Sentimo-nos muito encorajados quando o nosso bom amigo, Manuel Pedro Cardoso (com cujas posições nem sempre concordamos!), também confrontou o seu colega, tanto publicamente como particularmente depois, explicando que é da essência do Evangelho a afirmação de que só é salvo aquele que, nesta vida, deposita a sua confiança em Cristo!

Foi bom estarmos e podermos participar; e foi bom que, apesar de tudo, Calvino e as Escrituras, que ele tão rigorosamente defendeu, ainda falaram mais alto do que nós!

02 outubro 2009

COISAS FEIAS ....... QUE VINHAM DE LONGE

Quando chegámos para pastorear a Igreja Baptista de Caldas da Rainha, não foi possível não percebermos que os jovens da igreja tinham votado contra a nossa vinda. É verdade que não nos conheciam.... mas a questão principal é que havia um seminarista a colaborar com a igreja que eles, muito naturalmente, gostavam de ter podido manter. Mas os adultos disseram que a igreja tinha as suas dificuldades, conflitos internos, etc., e seria preciso vir um pastor mais maduro.....
Fomos surpreendidos, a seguir, por uma série de almoços organizados por várias famílias para os jovens: um grande empenho, sem dúvida, em tentar conquistar a simpatia desses para o pastor que lhes tinha sido imposto.....
Nessas ocasiões não tínhamos outra hipótese a não ser apresentarmo-nos como somos. Mas a verdade é que não éramos exactamente aquele modelo de obreiros dinâmicos, extrovertidos e gregários que os jovens devem ter tido em mente!
Influenciados pela nossa experiência no GBU tentámos organizar estudos bíblicos para eles. Mas ficámos com a impressão de que consideravam os estudos bíblicos uma «seca». Desafiámos uma estudante na universidade da cidade a tentar organizar um GBU: disse que não queria envolver-se em nenhuma actividade deste tipo até porque só poderia prejudicar a sua situação a nível de notas!
Alguns deles faltavam sem aviso nos domingos de manhã – mesmo tendo responsabilidades na Escola Dominical! Os adultos lamentavam isto, mas achavam que devíamos conseguir agir «pela positiva» para que isto não acontecesse. Repreender, nem pensar!
Um problema que se punha era o de namoros entre crentes e descrentes. E não parece ter havido orientações claras sobre a questão do sexo pré-matrimonial. Ao expormos as Escrituras, falámos claramente sobre estas questões. E cada vez mais percebemos que o nosso ministério não era apreciado.
Ao longo dos primeiros 18 meses um sector na igreja decidiu que, uma vez que não estávamos a conseguir conquistar os jovens, não éramos os líderes certos as pessoas certas para a igreja. Em Março de 1993 surgiu a primeira tentativa de nos mandar embora, em grande parte para tentar segurar um grupo de jovens que se estava a mostrar cada vez mais “inseguro”. Em retrospectiva, não é difícil compreender a posição que esse sector tomou. (As manobras que usaram, isso é outra história!). É evidente que nenhuma igreja gosta de ver os seus jovens desaparecerem. Só que me parece que, se os adultos se tivessem colocado ao lado do pastor e do ensino bíblico, sem equívocos, podíamos ter trabalhado juntos para a mudança lenta de mentalidades. E isto afinal seria a única maneira viável de, no futuro, a igreja ter um testemunho credível para a juventude.
Mas, quando a verdade incomoda, é mais fácil querer passar ao lado dela!

Mais tarde verificámos que a nossa maior dificuldade, na área da ética sexual, não era com os jovens, mas sim com os adultos e até os idosos! Escândalos na área da moralidade sexual tinham manchado o testemunho da igreja em décadas passadas. Situações essas muito piores do que aquelas que nós estávamos a tentar resolver. O resultado é que, quando queríamos que os irmãos de mais idade manifestassem alguma convicção firme nesta área, muitos deles não eram capazes.

Soubemos também que esta cidade tinha uma cultura específica em questões sexuais que remonta pelo menos ao século XIX!

Acrescento alguns extractos, recolhidos num blog da museóloga, Maria da Conceição Parreira Colaço:

«Com a malandrice é a caracterização actual, no mercado da louça das Caldas, das canecas de faiança que integram no seu interior dois tipos de motivos: ou um pénis em erecção, ou um montículo de fezes.

«Ideia do rei D. Luís, que terá feito produzir este motivo, com carácter privado, na Real Fábrica de Faianças de Manuel Gomes, o Mafra, nas Caldas da Rainha, na segunda metade do século XIX, foi seu executor o operário João Pereira. É esta a informação fornecida em 1987 a Aida Sousa Dias e Rogério Machado:
«“Herculano Elias conta-nos o episódio do aparecimento dos falos na loiça das Caldas: ‘O rei D. Luís, visitando a fábrica de Manuel Cipriano Gomes (O Mafra), pede-lhe que invente um objecto divertido que faça distrair os seus amigos. O velho Mafra, um pouco embaraçado, incumbiu o seu operário João Pereira, por alcunha ‘O Bandalho’, de atender aquela pretensão do monarca. João Pereira, com as técnicas da época inventou um falo, monocromático, tendo na base aplicações que fazem lembrar a técnica de imitação do musgo.. »
Com esta informação não é muito difícil percebermos o carácter específico dos demónios que pairavam por aqui... e que incentivavam os crentes com anos de vida na igreja a quererem transigir.

(7ª postagem na série «Retalhos da Vida de um Pastor» de Alan Pallister)