13 outubro 2009

Calvino ainda fala - 500 anos depois!

Interrompendo a série de «retratos da vida de um pastor», gostava de comentar um acontecimento em que participámos na celebração dos 500 anos desde o nascimento do grande reformador.
No sábado, numa série de debates organizados pela Igreja Presbiteriana na Universidade Lusófona, participei, a convite do David Valente (agora o nosso sobrinho por afinidade) sobre o tema de Calvino, exegeta das Escrituras. Nessa sessão, o Pastor José Manuel Leite e o nosso amigo Tim (Dr. Timóteo Cavaco!), também participaram.
Em primeiro lugar devo confessar que o Pastor Leite tinha preparado a sua participação de uma maneira muito mais completa do que eu. Tive que lhe agradecer a sua brilhante exposição – em que ele explicou ponto por ponto aquilo que eu dissera só resumidamente.
Só que no princípio o Pt. Leite disse que se sentia menos calvinista «desde» que fizera esta pesquisa. Interrogado sobre este desabafo, disse que antes de a fazer tinha a ideia de que Calvino era mais liberal! Então eu tive que dizer à assistência que, exactamente por causa dos pontos que o Pt. Leite tinha exposto, me sentia ainda mais calvinista!

Uma das questões levantadas no debate foi a inerrância bíblica: o termo, tendo surgido séculos depois, não é de Calvino mas, no meu entender, o conceito é. Calvino acreditava que a Bíblia, como originalmente fora dada, está livre de erros. Não encontro nenhuma passagem em Calvino em que o reformador admita a possibilidade de terem existido erros nos manuscritos originais da Bíblia.
Será que algum leitor deste blog já encontrou alguma?

Depois a Pastora Eva Michel fez uma brilhante e comovedora exposição das doutrinas da eleição e da predestinação (e mesmo a reprovação!) em Calvino – e em Romanos 8 e Efésios 1 – referindo-se ao contexto de sofrimento injusto em que as palavras originalmente foram escritas. Teríamos ficado encantados se ela não tivesse dito também que, embora reconhecesse que Calvino acreditava nestas doutrinas, ela não acreditava!

O pastor Manuel Pedro Cardoso, expondo a doutrina calvinista da igreja, referiu que dos «cinco pontos» do calvinismo se ficava só pelo primeiro (a depravação total do homem). Só que neste caso trata-se de um colega e amigo que conhecemos e respeitamos há muitos anos e sabemos que, mesmo nos restantes quatro pontos, não estará tão longe das convicções do reformador como os outros prelectores aparentemente estão!

Surgiu um momento de tensão – mesmo conflito – no debate quando um dos pastores presbiterianos presentes declarou que, na sua convicção, haverá oportunidade, consciente ou inconscientemente, para todas as pessoas aceitarem Cristo, mesmo depois da sua morte, e que Deus na Sua graça terminará por salvar todos. De facto foi isto o que alguns professores do seu Seminário, sob a influência da Alta Crítica e de Karl Barth, lhe ensinaram, já há longas décadas.

A Celeste – a minha esposa – protestou com bastante emoção contra esta afirmação (que de qualquer forma não vinha muito a propósito!), com base em afirmações da Bíblia que dizem claramente o contrário.

Sentimo-nos muito encorajados quando o nosso bom amigo, Manuel Pedro Cardoso (com cujas posições nem sempre concordamos!), também confrontou o seu colega, tanto publicamente como particularmente depois, explicando que é da essência do Evangelho a afirmação de que só é salvo aquele que, nesta vida, deposita a sua confiança em Cristo!

Foi bom estarmos e podermos participar; e foi bom que, apesar de tudo, Calvino e as Escrituras, que ele tão rigorosamente defendeu, ainda falaram mais alto do que nós!

1 comentário:

longobedience disse...

Gostei imenso de ouvir deste debate, e concordo que é estranhíssimo como os "descendentes" da reforma passam tanto tempo a discordar radicalmente dos reformadores...

Eu não sei muito sobre a doutrina calvinista das escrituras, mas há uns tempos um amigo indicou-me um artigo em que encontrei esta citação:
"For example, Martin Luther writes, "The Scriptures ... do not lie or deceive" and "The Scriptures have never erred." [35] Yet Luther also expresses doubt that Moses wrote the Pentateuch, that the apostle Jude wrote the book bearing his name, and that Old Testament battle accounts were not exaggerations. [36] For example: "When one often reads that great numbers of people were slain-for example, eighty thousand-I believe that hardly one thousand were actually killed." [37] For Luther, this exaggeration in no way contradicts his belief that "the Scriptures have never erred." Similarly, Calvin has no problem suggesting in his Commentaries that Matthew "'incorrectly,' but with 'no impropriety,' calls a comet a star." [38] These apparent difficulties simply did not matter to these writers, nor did they violate their very high views of biblical authority. As discussed above, this is possible only because, as pre-moderns, the reformers found the Bible's authority in its author, not in its inerrancy."
O artigo faz uma reflexão muito interessante sobre a inerrância. É possível encontrá-lo aqui: http://www.quodlibet.net/articles/perry-inerrancy.shtml