19 outubro 2010

«Pai...... como são os assassinos?»

A pergunta é da excelente obra policia de Agatha Christie, «A Última Razão do Crime» (ed. Livros do Brasil). O pai experiente é Superintendente da Polícia, a investigar um assassínio do avô de uma menina com a qual o seu filho acaba de começar um namoro.

Algumas das respostas chamaram-me bastante a atenção.
A primeira: «Alguns deles, foram toda a vida tipos encantadores».
A seguir: «Tipos comuns, simpáticos, como tu e eu....»
Mas, depois, o pai toca na área da motivação:....«Chegaram a um ponto em que desejam ardentemente, doentiamente, uma coisa, dinheiro, uma mulher....., e matam para obtê-la».
Uma criança pode cometer um crime destes:
«Se está zangada com um gato, diz "Vou matar-te" e bate-lhe na cabeça com um atiçador; depois chora sofredoramente, porque o gato não regressa à vida».
Até um irmão-bebé pode atirar para o chão «porque lhes usurpa as atenções paternas, ou interfere nos seus prazeres».

Aqui vi a nossa proximidade - a minha proximidade - daqueles que cometem crimes. Vi, também, os «desejos» que bons cristãos têm, de protagonismo, de um «ministério» (!), de cargos na igreja, de elogios. Como é que tratamos «irmãos» que são concorrentes ou que, julgamos, podemos impedir que nos tenhamos algum do prestígio que achamos que merecemos. Como é que Diótrefes tratou o apóstolo João?

O pai-polícia depois debruça-se sobre a falta de remorsos que o criminoso demonstra:
«Os assassinos são realmente diferentes, visto que para eles o crime, embora errado, é uma necessidade: a vítima estava a "pedir que a matassem": era a "única solução"». Diz que nunca encontrou um assassino que não fosse vaidoso:
«Podem estar aterrorizados receando ser apanhados, mas não podem resistir, na maioria dos casos, à necessidade de demonstrarem como foram espertos, como tiveram coragem para matar».

Uma vez conversei na prisão com um jovem inteligente, de aspecto inofensivo e meigo, que tinha morto duas pessoas a tiro em estabelecimentos comerciais de Caldas da Rainha. Pareceu-me numa certa altura que estávamos a começar a comunicar bem: ele quase não conseguia falar sobre outra coisa sem ser a Bíblia! Só que cheguei à questão do arrependimento. Disse-me assim, assumindo de repente um ar convicto:
«Eu não estou arrependido daquilo que fiz porque foi Deus que me disse para os matar!» (ver postagens anteriores sobre a «voz de Deus»).

Passo a perceber o que é que há dentro do coração humano que torna os conflitos tão duros e incontornáveis. Passo a perceber porque aqueles que afirmam estar a agir em nome de Deus às vezes agem um pouco pior do que os outros!