28 dezembro 2007

Espiritualidade a baixo preço

Imaginemos que estamos a aproximarmos do Templo de Jerusalém no ano 30 D. C. Chegámos um pouco atrasados, e não tivemos tempo para adquirir aves para os sacrifícios – num dos quatro mercados que, há já alguns anos, têm existido para o efeito, no Monte das Oliveiras. Também trazemos moeda romana e pensamos separar algum dinheiro para a oferta. Só que sabemos que a oferta tem que ser feita em moeda de Tiro, a moeda mais parecida com a moeda tradicional hebraica (actualmente suprimida pelos romanos). Vamos ter que cambiar o dinheiro que trazemos.

Sentimo-nos sinceramente embaraçados com o nosso atraso: a verdade é que a vida se está a tornar cada vez mais complicada. E ainda temos que cambiar o nosso dinheiro e comprar as pombas.... Felizmente sabemos que Deus compreende tudo e não irá levar a mal o facto de chegarmos depois do início dos sacrifícios....

Já há algum tempo que não vamos aos sacrifícios: estávamos a tentar honrar Deus na nossa vida íntima, mas como «não-praticantes», não sentindo a necessidade de actos de culto públicos. A verdade é que já vimos muitos hipócritas nos actos de culto... achámos que, sem ir ao culto, podíamos fazer melhor do que esses. Mas, agora, resolvemos dar mais uns passos: afinal Deus pode estar a querer alguma coisa de nós, em troca da saúde e prosperidade que Lhe estamos a pedir. Vamos tentar ser autênticos: se os outros que vão ao nosso lado são hipócritas, o problema é deles.

Ao chegarmos perto de Jerusalém, ouvimos dizer que houve mudança. Deve ter sido trabalho do sumo sacerdote Caifás, homem conhecido por ser progressista, e que já fez muito para tornar mais prático e acessível o culto a Deus. O pátio dos gentios do templo hoje está com um movimento inusitado. Caifás agora está a permitir que os animais para os sacrifícios sejam vendidos e o câmbio do dinheiro efectuado aqui mesmo! Para quem vive desse negócio, sem dúvida é bom: a margem de lucro é baixa, mas tem muito mais clientes. E, para os adoradores, as vantagens são óbvias. Graças a esta modificação, desta vez vamos conseguir chegar praticamente a horas! Quem é que disse que a religião não pode ter mais procura, e os sacerdotes serem mais bem sucedidos, se tentarem tornar os actos um pouco mais «user-friendly»?

Mergulhamos momentaneamente nestas reflexões - mas a seguir avançamos até às mesas de venda , para ganhar tempo.

Só que, ao chegarmos, vemos que um jovem, com ar de rabí, está a causar um grande distúrbio. Está com um ar furioso. Está literalmente a derrubar as mesas dos cambiadores e dos que vendem pombas. Está a expulsar os negociantes. E está a dizer qualquer coisa entre dentes sobre o «zelo pela casa de Deus». Será um elemento de alguma seita fundamentalista? Será alguém que não se convence que a religião, se quiser ter algum sucesso, tem que “andar com os tempos”?


Sugerimos que o leitor leia Marcos 11:15-18, para identificar o jovem rabí e tentar compreender porque é que age assim. E, depois, considere as seguintes perguntas acerca das implicações deste estranho encontro.


  1. O leitor entende que o seu envolvimento no culto público deve ser cada vez mais facilitado, «rentabilizando» o tempo de maneira a poder cumprir cada vez mais obrigações religiosas em cada vez menos tempo?

  2. Aprecia pregadores ou pastores «abertos» que não se queixam perante os seus lapsos e descuidos, a sua falta de pontualidade e a sua falta de reverência nos actos religiosos, tentando ser o mais «facilitadores» possível?

  3. Prefere um ambiente religioso que o faça «sentir-se bem», e que atrai muitos visitantes, em comparação com um em que o pregador o «incomoda» com temas como o pecado e o arrependimento – temas estes que podem fazer com que não se sinta tão bem?

  4. Acha que uma pessoa que agisse no espírito deste jovem rabí teria alguma razão para denunciar atitudes no movimento evangélico actual que denotam um espírito comercial?

  5. Em que medida aceita os argumentos usados a favor de certas práticas no meio cristão, que são essencialmente comerciais: «dá resultado ..... as pessoas gostam.... as igrejas que fazem assim têm um grande crescimento numérico»?


E, se estas perguntas vos desafiaram de alguma maneira, digam-nos!

15 dezembro 2007

Belém: a Cidade onde Jesus nasceu.

NATAL 2007: Alguns pensamentos de Alan e Celeste Pallister.

A entrada principal em Belém na actualidade passa por esta barreira de blocos de cimento. Sob domínio palestiniano desde os Acordos de Oslo de 1995, tem sido o cenário de incidentes violentos - com a morte de residentes cristãos e israelitas - e com a retaliação de israelitas - o que tem levado cada vez mais cristãos a emigrarem.

Qualquer história da cidade mostrará como a Igreja da Santa Natividade – construída em 326 d.C., no local em que se supõe que Jesus nasceu, por altura da visita à cidade de Helena, mãe de Constantino – tem sido o centro de reivindicações, contra-reivindicações e derramamento de sangue.

Seria uma tentação recuar na história para tentar encontrar uma época feliz no passado em que Belém era um local idílico e próspero – não é verdade que o nome significa «casa de pão»? É verdade que o Rei David nasceu em Belém, mas nada no relato da sua chamada do seio de uma família humilde parece ter a ver com o lugar de nascimento de um rei. A sua bisavó moabita, Ruth, foi a Belém e casou com um homem respeitável da terra, atingindo assim uma certa proposperidade. Mas o seu primeiro marido juntamente com ela e com os seus dois filhos tinham fugido de Belém para o território dos moabitas, por causa da fome. Só se tornou uma cidade «de pão» quando Deus de alguma maneira interveio.

A história pavorosa em Juízes – de uma concubina de Belém que foi dada para satisfazer a cobiça sexual de habitantes perversos e depois morreu, sendo o seu corpo dividido em doze partes e distribuído pelas tribos de Israel – também deve ser referida. A história deve ter sido contada durante muitas gerações, fazendo arrepiar os visitantes.

Quando Jesus nasce na cidade de Belém, a pobreza e dureza da situação são manifestas – apesar dos cartões de Natal que conseguem dar a ideia de que o lugar de nascimento numa manjedoura é idílico e pitoresco. E o ambiente de violência arrepiante ressurge de imediato quando o rei Herodes, cheio de ciúmes e temendo pelo seu trono, manda matar todos os bebés de sexo masculino, com dois anos ou menos, em Belém e arredores – situação esta da qual José e Maria só conseguem salvar o bebé Jesus porque são avisados por um anjo e fogem.

Depois do nascimento de Jesus, a história de Belém é extremamente perturbadora. Tragicamente a própria igreja da Natividade, que foi construída para comemorar o Seu nascimento, tem sido o foco de séculos de conflito e violência.

Mesmo assim, o profeta Miqueas profetizou que Belém seria o lugar de nascimento do Rei (Miqueias 5:2). Mateus, que cita uma versão desta profecia, diz que a cidade não é «de modo nenhum a menor entre as capitais de Judá». Pode não ter sido um lugar grande em si, mas tem uma grandeza derivada do facto de o Messias ter nascido aí.

A graça de Deus é assim. Vem até vidas desfeitas por conflito e angústia e traz-lhes a paz e o pão da Sua presença. Mas só experimentamos esta graça na medida em que andamos em obediência a Ele.

Ainda não criou nenhum paraíso na terra para o qual possamos retirar-nos para estarmos imunizados contra os efeitos da injustiça e violência humanas. Nem sequer as casas de familiares para as quais gostamos tanto de nos retirar no Natal. Nem sequer «O Canto da Rola», que é um lugar bastante agradável e (em geral) pacífico para passar uma temporada! A Sua paz, que transforma a Belém do sangue e da guerra na cidade do Rei, age de uma forma sobrenatural nas nossas vidas de maneira que, sejam quais forem as pressões às quais estamos sujeitos, podemos ser canais e instrumentos da Sua paz.

16 novembro 2007

Os 85 anos Os 85 anos de José Saramago e a história de uma maçaroca

Hoje, 16 de Novembro de 2007, o autor e Prémio Nobel, José Saramago, celebra os seus 85 anos. Há dias li a última obra publicada por Saramago, em Outubro de 2006, “As Pequenas Memórias”, que trata essencialmente da infância e adolescência do autor.

Achei a obra agradável na abordagem e transparente e honesta perante os familares e amigos que povoaram o mundo do pequeno José. Retrata o ambiente ribatejano da infância e o lisboeta, do período a seguir, de uma forma cativante.

Chamou-me a atenção de maneira especial a história de uma maçaroca.

Na penúltima página do livro, Saramago fala de um primo que faleceu jovem, chamado José Dinis. Lembra-se de momentos deliciosos em que comeram uma melancia juntos na borda do Tejo. Mas lembra-se, também, de um momento em que foi desleal com o José Dinis. E o problema foi por causa de uma maçaroca.

Passo a citar o episódio por extenso:

«Andávamos com a tia Maria Elvira no rabisco do milho, cada qual no seu eito, de sacola ao pescoço, a recolher as maçarocas que por desatenção tivessem ficado nas canoilas quando da apanha geral, e eis que vejo uma maçaroca enorme no eito do José Dinis e me calo para ver se ele passava sem dar por ela. Quando, vítima da sua pequena estatura, seguiu adiante, fui eu lá e arranquei-a. A fúria do pobre espoliado era digno de ver-se, mas a tia Maria Elvira e outros mais velhos que estavam perto deram-me razão, ele que a tivesse visto, eu não lha tinha tirado. Estavam enganados. Se eu fosse generoso ter-lhe-ia dado a maçaroca ou então tinha-lhe dito simplesmente: ”José Dinis, olha o que está aí à tua frente”. A culpa foi da constante rivalidade em que vivíamos, mas eu suspeito que no dia do Juízo Final, quando se puserem na balança as minhas boas e más acções,será o peso daquela maçaroca que me precipitará no inferno....»

Quando um autor declaradamente ateu fala sobre o Juízo Final, a nossa tendência como cristãos é de supor que deve a estar a ironizar!

Mas, pessoalmente, não achei nada irónico este pequeno relato. Na minha leitura Saramago recrimina-se severamente por não ter sido generoso com o primo. Culpa a rivalidade existente entre os primos pelo que sucedeu – mas reconhece que tirou a maçaroca numa atitude desenfreadamente egoista. O «peso» da maçaroca é muito grande porque tem a ver com uma culpa real que sente ... e que não pode reparar.

Comecei a pesar no número de «maçarocas» que existiram na minha infância e juventude: situações de ambição desenfreada em que colegas da escola, familiares e mesmo os meus pais sofreram por causa de ambições minhas que senti a necessidade de satisfazer à sua custa. Se eu quisesse reparar estas faltas não tinha nada a fazer. Não digo que uma «maçaroca» isolada nos precipite para o inferno: mas cada uma delas simboliza algo muito lamentável dentro do nosso espírito que bem queríamos erradicar –ou expiar – de alguma forma. Todo o nosso sentir, pensar e agir sofre do contágio fatal do pecado e o resultado justo é a nossa condenação eterna.

No meu caso, conheci desde a infância a doutrina bíblica que afirma que não podemos fazer nada para expiar nem as nossas más obras nem as «boas». Porque as que consideramos boas também ofendem o nosso Deus: as nossas «justiças», nas palavras de Isaías, são «trapos de imundícia».

A imagem do Juízo Final que Saramago apresenta, aprendido do catolicismo,é um em que, pelo menos em princípio, pode haver boas obras a compensar as más. Alguém poderia, supõe-se, ter boas suficientes para que o Juiz ficasse satisfeito.

Ensinaram-me que segundo a Bíblia, não é assim. Mesmo alguém que só tivesse obras que os homens consideram boas seria condenado.

A nossa dificuldade é reconhecer que nenhuma obra nossa é aceitável perante o Juíz. Nas diversas religiões, como Emil Brunner observa, «o homem é poupado da humilhação final de saber que, em vez dele, o mediador é quem deve levar o castigo. A esse jugo ele não precisa submeter-se. Ele não é deixado totalmente nu». No cristianismo, em contrapartida, o homem tem que declarar que não pode salvar-se a si próprio.

O Evangelho anuncia que Cristo, o Único que não conheceu pecado, foi feito «pecado» por nós (isso é pagou a pena dos nossos pecados), para que nós fóssemos feitos justiça de Deus. Nas palavras de Cranfield, comentando Romanos 3:25, «Deus... teve o propósito de dirigir contra seu próprio ser, na pessoa do Seu Filho, o peso total dessa ira justa a qual eles mereciam».

Assim podemos nós, com todas as nossas «maçarocas» - e mesmo com as «boas obras» que, orgulhosamente, julgamos que Deus vai apreciar – ser declarados justos, como se nunca tivéssemos pecado, e perdoados.

Aprecio muito este momento de transparência no relato de Saramago. Acredito que a ideia do Juízo Final ainda tem peso para ele. Gostava que ele conhecesse Jesus de maneira a receber o perdão dos pecados (tanto das «maçarocas» como das coisas que parecem ser melhores!)da sua vida –como eu O vim a conhecer.

Quando deixamos que Jesus faça a Sua vontade em nós, até conseguimos descer um pouco no nosso sentido de importância e dar a «maçaroca» ao «José Dinis»!

09 novembro 2007

Obrigado pelas vossas reacções

Além de outras já recebidas, vieram boas ideias sobre «O Incêndio» do André Campos e do Térsio Vieira sobre «Transfiguração... e Discípulos Confusos». Muito obrigado. Agora passamos a partilhar algumas coisas sobre a Cruz de Cristo!
A intenção era que o blog estivesse a produzir alguma coisa mais frequente: mas os dias passam e as pressões são bastantes! Também para mim é preciso formar novos hábitos: e estar disponível para um tipo de comunicação mais informal do que aquela a que estou habituado.
Muitas vezes aquilo que queremos transmitir é teológico - e isso parece requerer um estilo muito formal e um tanto abstracto. Mas a teologia na realidade é o que estamos a viver: é o nosso "dia a dia" e faz contacto de alguma maneira com todas as nossas ocupações. Daí acho que devemos tentar dizer as coisas de uma maneira um pouco menos formal - como quem está sentado à volta de uma mesa num centro de L'Abri - ou no Canto da Rola, por exemplo.
Esta semana lembrei-me de Martinho Lutero. Foi na altura em que estava a preparar e a dar as aulas no Seminário (Baptista de Queluz) sobre a Cruz de Cristo. Antes da sua conversão Lutero, um frade dedicadíssimo, tentou viver de maneira a ganhar o favor de um Deus justo. Mas isto o levou a odiar Deus, que condenava o homem, com justiça, pela Sua lei e pelo Seu Evangelho.
Quando os olhos de Lutero foram abertos, ele viu que a justiça de Deus, em Romanos 1:17, não era a justiça pela qual nos condena mas a justiça pela qual nos justifica mediante a fé.
Lutero vivia o dilema de se interrogar, com angústia, como é que alguma vez um Deus justo o podia salvar. Como é que um Deus justo pode salvar alguém, sem trair a Sua própria justiça?
A nossa época é diferente: os pensadores dos séculos XX e XXI rejeitam a ideia do Deus da Bíblia, com alguma sarcasmo e normalmente sem angústia nenhuma, perguntando: «como é que um Deus de amor pode condenar alguém, sem trair o Seu próprio amor»?
Quem, então, estava mais bem situado para poder compreender a mensagem de Romanos 1:17 e 3:21-31, nós ou Lutero?
Tenho uma turma entusiasta e simpática no Seminário - embora muitos lutem com bastantes dificuldades para terem o tempo necessário para estudar (empregos, família, igreja...). Fiz com eles a mesma experiência que já fizera com outras em outros anos. Perguntei qual é a distinção em português entre o verbo «expiar» e o verbo «propiciar». Sei que não são termos de uso comum: mesmo no lar mais piedoso e conservador os filhos que podem ter tido que «expiar» algumas das suas faltas e «propiciar» os seus pais irados, provavelmente não foram ensinados a usar essas palavras!
Mais uma vez, a turma não soube responder. Não levei a mal... já estou habituado!
Expliquei que nós expiamos pecados quando nós, ou alguém, faz uma oferta para de algum modo os cancelar e que propiciamos (aplacamos) a ira de uma pessoa quando lhe oferecemos algo com esse propósito. O complemento directo do verbo «expiar» é uma ofensa ou pecado: o complemento directo do verbo «propiciar» é uma pessoa - a ofendida e irada.
Romanos 3:25 fala em propiciação: é um texto absolutamente central para a compreensão do Evangelho. Não há versões posteriores à de Almeida que tenham conseguido encontrar uma palavra mais actual ou simples para traduzir a mesma ideia. Então isto obriga-nos mesmo a aprender a palavra!
Num sentido todos nós compreendemos o Evangelho: noutro sentido parece que nenhum de nós o compreendeu bem - porque não soube destrinçar adequadamente esta frase vital da exposição que Paulo faz do significado da morte de Cristo. Sem querer começámos a absorver ideias humanistas ou da «Nova Era» da salvação como libertação daquilo que nos faz sentir mal - em vez de ser o que a Bíblia diz que é, o recurso que um Deus santo e justo providenciou para que a sua própria justiça pudesse ser satisfeita - ao mesmo tempo que Ele justificava e salvava pecadores que não o mereciam.
Senti que a aula foi bem recebida: pouco mais foi do que uma exposição de um capítulo excelente do livro «A Cruz de Cristo» de John Stott (ed. Vida). Não nego a necessidade que temos de tentar actualizar a linguagem usada para expor o Evangelho. Mas tenho o receio que as simplificações habituais que passámos a usar nas nossas igrejas nem sequer captam o sentido essencial das palavras usadas no original e nas traduções mais fiéis.
Afinal podemos estar a anunciar um «Evangelho» dos nossos púlpitos que, biblicamente, trai o sentido profundo que, na Bíblia, está encerrado na mensagem que os apóstolos de Jesus anunciaram.
Era mais ou menos nesta linha de pensamento que queria continuar no blog. Acham que é muito pesado? Para mim o assunto é apaixonante. E espero «apanhar» pelo menos alguns «curiosos» que sintam - ou que possam vir a sentir - algo desta mesma paixão.

Aguardo reacções,
Alan Pallister (9/11/2007).

19 outubro 2007

Transfiguração - e discípulos confusos

Transfiguração ... e discípulos confusos


Na altura em que Jesus leva com Ele ao monte o grupo íntimo de três discípulos – Pedro, Tiago e João – e apresenta-se diante deles uma figura glorificada (Marcos 9:2) –a nossa tendência é tomar o momento como um dos mais altos no percurso destes três discípulos. Mas, quando o consideramos no contexto, há um sentido em que é um dos momentos em que eles entram na maior confusão.


O síndrome deles - que saiu à superfície na reacção de Pedro seis dias antes, em Cesareia de Filipe – é bem conhecido. Eles querem a vitória de Jesus sem Ele –ou eles –terem que passar pelo sofrimento. Nas palavras de Lutero, são adeptos da Teologia da Glória sem passar pela Telogia da Cruz. Querem a Teologia do Sucesso ou da Prosperidade – sem o drama do fracasso aparente e o escândalo da maldição associado com a cruz (a forma de pena capital mais bárbara que existe na altura). Querem bênção – mas sem ter que pagar o preço.


Talvez não seja muito surpreendente que a primeira reacção de Pedro, ao ouvir do futuro sofrimento de Jesus, seja um de incredulidade e rejeição. Mas, mesmo assim, Jesus não é suave na Sua reacção. Chama Pedro Satanás e manda-o embora. A ideia de um Messias sofredor não entra bem na mentalidade judaica. Mas Jesus insiste. E diz que os discípulos terão que tomar a sua cruz – com a mesma resignação e a mesma persistência com que Ele a tomava.


A seguir, diz que alguns dos Seus acompanhantes não vão morrer antes de ver a Sua vinda com poder. Passam seis dias e – de certa maneira – eles vêem a Sua vinda, pelo menos uma antecipação dela, em que presenciam a Sua glória. Se entendo bem as implicações da narrativa, o que acontece aqui é o seguinte. Eles vêm o Messias na Sua glória - mas deduzem que aquilo que o mesmo Messias acaba de lhes explicar sobre a cruz foi afinal um grande erro. Eles entendem que Jesus já está na Sua glória! Elias e Moisés estão com Ele – assim vê-se que a esperança messiãnica dos judeus foi cumprida. Ainda bem, pensam eles, que a conversa pessimista que Jesus acaba de ter sobre a cruz foi só um desvario temporário. Agora eles compreendem que Ele vai ver que Se enganou! Estão aliviados e contentes porque, afinal, Deus agiu depressa – e deu-lhes a razão. Glorificou Jesus – ao mesmo tempo que mostrou que o Seu Filho afinal tinha cometido um erro temporário!


Os três discípulos podem assim ter também o seu problema de auto-estima resolvido. Eles têm uma tendência innata de discutir importâncias – de considerar quais podem vir a ter os lugares de maior prestígio no Reino que eles visualizam. A proposta disparatada das três cabanas – embora seja principalmente a favor de Jesus, Elias e Moisés – poderá ser uma maneira de assegurar que, no mínimo, eles serão os três mais destacados acompanhantes. E qual seria a necessidade de alguma vez terem que descer do monte? Eles estão seguros em relação com a sua própria situação: os outros nove estão no seu lugar – lá em baixo!


Mas, mais uma vez, Jesus age de uma forma que não corresponde minimamente com as expectativas dos Seus discípulos. Não só manda descer do monte – mas também manda guardarem segredo enquanto Ele não ressuscite dos mortos!


Como é que Jesus poderia voltar a esse assunto agora, pensam eles? Os profetas diziam que Elias devia vir antes da Sua glorificação. Mas Elias acabava de vir. E era o momento dEle agora! A que propósito vem a Sua insistência sobre morte e ressurreição?


Pouco depois, caminhando pela Galileia, os discípulos tentam expulsar um demónio e não conseguem (9:18). Isto, depois de terem recebido e terem usado o poder para o fazer (cf. 6:7 e 13)! Como alunos estão claramente a retroceder. E Jesus ainda tenta outra vez explicar-lhes o caminho da cruz. Eles não entendem e até de Lhe perguntar têm medo. Por quê? Porque estão a discutir qual deles vais ser o maior no Seu reino!


Um dos maiores sofrimentos de Jesus – antes do Gólgota e do Calvário – é ter discípulos que não aprendem. Só depois do Pentecostes é que Pedro vem a compreender bem as suas experiências (cf. 2 Pedro 1:17-18).


Todos nós tendemos a ter o gosto de ocupar lugares de prestígio. Todos gostamos de receber bênçãos sem pagar o preço. Todos nós gostávamos de poder ser arrebatados e saltar para a glória, antes de sofrer qualquer tipo de rejeição ou tribulação. Mas, assim, fazemos com que Jesus sofra intensamente connosco. O Evangelho «barato» e sensacionalista que é anunciado hoje fá-lO sofrer. Cada «conversão» -quando não acompanha uma entrega para tomar a cruz de Jesus e seguí-lo (mas, mesmo assim, é usado como uma estatística para demonstrar o crescimento da igreja) – fá-lO sofrer também.


Não será melhor nós também nos dispormos a sofrer – se isso for necessário? E prescindir de lugares de prestígio – para tomarmos a nossa «cruz» de troça e rejeição – para andarmos como Ele andou?

05 outubro 2007

O INCÊNDIO

Na segunda feira, dia 1 de Outubro, estava tranquilamente a começar a assar a carne para o almoço, quando o John (que, com a Laura, ainda está aqui no Centro, à espera do fim das obras na casa no Porto), veio perguntar: «É suposto a erva à frente da casa estar a arder?».
Quando fui ver, estava mesmo a arder. E não era suposto.
Também estava a arder a erva na propriedade dos vizinhos e o vento vinha desse lado. A mãe da nossa vizinha estava a trazer baldes de água, mas as chamas só subiam mais.
Do nosso lado havia uns baldes, alguns rotos, outros sem asa, e uma mangueira desconjuntada que não chegava ao lugar das chamas.
O pior é que as chamas estavam a avançar na direcção do pinhal do vizinho. Tivemos que tentar segurar a mangueira de maneira a fazer chegar uma parte da água até a parte que estava a arder. E, entre os baldes, houve alguns que ainda podiam ser usados. Veio o Ricardo para ajudar, e a Branca, que está connosco no Centro.
Não pudemos dar atenção ao fogo do lado dos vizinhos, porque o pinhal do outro lado da nossa propriedade estava em perigo. A vizinha, que tem problemas de saúde, ficou quase em desespero.
Chamámos os bombeiros e, enquanto chegavam, fomos lutando do nosso lado. O John trouxe um tapete velho e entre todos conseguimos que as chamas parassem - a um metro praticamente do pinhal. Do lado dos vizinhos as chamas foram consumindo mais (só que era vegetação que de qualquer maneira queriam queimar). O pior seria se o vento mudasse e as chamas fossem para a propriedade dos vizinhos do outro lado.
Quando os bombeiros chegaram dominaram as chamas todas em poucos minutos.

Com o meu «vício» de pregador, de tentar tirar lições das situações, fui pensando. Dei graças a Deus pelo facto de as chamas pararem. Não era um exemplo maravilhoso da Sua graça? Mas, alguém podia dizer, «se vocês não tivessem lutado, mesmo com mangueiras e baldes rotos, o pinhal não teria ardido?». Então, afinal, é graça divina, ou são obras humanas? Ou é uma mistura das duas coisas?
O que teria valido o nosso esforço se o vento tivesse sido um pouco mais forte... se a erva tivesse crescido um pouco mais.... se tudo tivesse acontecido numa hora em que não estivéssemos em casa? Mesmo a nossa luta foi com a energia que Ele nos deu -e o facto de os baldes e as mangueiras, que nós deixámos estragar, ainda funcionarem em parte, teve alguma coisa a ver com a Sua misericórdia! Tudo isto diz qualquer coisa sobre a relação entre o nosso esforço e a graça divina. Filipenses 2:12-13!

Depois, pensei: «não devíamos ter dado mais atenção à propriedade dos vizinhos». O erro teria sido deles, mas nós não devíamos lutar para que eles não apanhassem piores consequências? O que teria pensado alguém a passar, ao ver-nos lutar desesperadamente para apagar as chamas do nosso lado, aparentemente ignorando o problema deles?
Eles, os vizinhos, depois disseram que estavam mais preocupados com o pinhal ao lado da nossa propriedade e, eventualmente, caso o vento mudasse, com a propriedade do outro lado do deles. Tratando da parte que era propriedade do Centro, apesar de representar pouco prejuízo, sendo um terreno em que a erva facilmente crescerá de novo, estávamos sem dúvida a fazer o melhor possível para que o problema não tivesse piores consequências.

Aqui, se houver outro «moral da história», deixo aos nossos leitores a oportunidade de dizerem qual é.
O nosso blog agora está preparado para aceitar comentários.
Aguardamos!

17 setembro 2007

Casamento do Luís e da Lilian



E agora, mais uma comunicação familiar - uma fotografia do casamento do Luís e da Lilian, celebrada em Serra dEl Rei no dia 2 de Setembro:

Ama - e faz o que quiseres

Esta frase vinha comigo desde a altura em que se começou a falar sobre a Ética da Situação..... Anos ´60 e ´70.... Joseph Fletcher, John Robinson (este último o meu professor de Novo Testamento em Cambridge!).
Depois José Miguez Bonino - um simpatizante protestante hispano-americano da Teologia da Libertação - usou a frase como título para um livro sobre a ética cristã.
Sempre se dizia (correctamente) que a frase era de Agostinho de Hipona - o chamado «Santo Agostinho». Mas, agora, finalmente fui «consultar Agostinho» por meio da Internet, para saber qual era o sentido que ele realmente dava à frase.
Aqui vão algumas considerações sobre o sentido que se costuma dar à frase - e o sentido que realmente tem, em Agostinho que, ao usá-la, está a comentar o texto de Paulo de Romanos 13.

O que se costuma dizer - desde que a Ética da Situação adoptou a frase - é que em questões éticas o amor é o valor superior e o único absoluto. Da mesma maneira que o amor é o atributo supremo de Deus (afirmação esta que a Teologia Sistemática facilmente desmente), o amor é o critério supremo que deve governar as nossas acções. Robinson e outros não estavam a favor do sexo extra-conjugal: pelo menos em 99% dos casos! Mas, se uma mulher presa num campo de concentração, para poder ser liberta, por amor à sua família, engravidasse através de uma relação sexual com um guarda, estava a agir contra uma regra (a que limita o sexo ao casamento) por amor a uma regra superior (o amor). Na situação o seu acto seria justificado.

Não é difícil pensar em situações na ética médica em que se pode aplicar o mesmo critério.... eutanásia, por «amor» a quem sofre, por exemplo.

Na Ética da Situação a tendência é contrapor regras umas contra as outras - e, depois, dizer qual é a regra suprema. Por isso, os casos típicos que costumam ser dados sempre implicam a quebra de alguma regra considerada menos importante (como a pureza sexual no exemplo já dado, por exemplo).

Agostinho terá sido um «eticista da situação», séculos antes do nosso tempo? Ou esta interpretação do seu pensamento será incorrecta?

Agostinho, na homilia em que esta frase aparece (aqui cito de «Seapadre Homilies»), afirma basicamente que em tudo o que fazemos devemos expressar amor. Um pai pode castigar um filho e um raptador abraçá-lo. No primeiro caso o pai expressa amor e no segundo o raptador expressa iniquidade. O amor não faz necessariamente que nos sintamos bem primeiro.

Termino com uma tradução de uma citação mais extensa de Agostinho, na convicção de que encerra princípios bíblicos preciosos - ao mesmo tempo que desmente o uso abusivo que a Ética da Situação costuma fazer de uma frase isolada desta homilia:
"As obras dos homens só podem ser discernidas pela raíz da caridade (do amor). Porque muitas coisas que os homens fazem têm uma boa aparência, e mesmo assim não procedem da raíz do amor. Porque as espinhas também têm flores: algumas acções realmente parecem duras, mesmo selvagens, no entanto são levadas a cabo para a disciplina, comandadas pelo amor. De uma vez para sempre, então, um preceito simples vos é dado: Amai, e fazei o que quiserdes: se calardes, por amor calai; se gritardes, gritai por amor; se corregirdes, corrijai por amor; se poupardes, poupai por amor: deixai que a raiz do amor esteja dentro de vós, desta raiz não pode brotar nada sem ser aquilo que é bom" (Homilia VII, PARÁGRAFO 8).

09 setembro 2007

Reacção perspicaz

Uma reacção interessante recebida do nosso amigo e colega, Pt. José Pinto Ferreira:

Vi a fotografia do post de 17 de Julho e à primeira vista não reconheci o edifício do "Canto da Rola". Pareceu-me que era outra casa, menor, mais baixa (Estive lá há anos e sei que a casa "real" tem primeiro andar). Depois, olhando melhor, percebi que a fotografia é das traseiras e tentei entender porquê. Normalmente as pessoas mostram a frente da casa e não a rectaguarda onde as coisas não estão "tão perfeitas", tão alinhadas, e onde se percebe a intimidade da família que ali vive. essas cisas, as pessoas escondem.

Será para mostrar o lindo abacateiro? (Ah! quanto eu gosto dos abacates do jardim da minha igreja...). Mas não; não pode ser. Deve haver outra razão para aquela fotografia das traseiras...


Ah...penso que já entendi. Pelo menos, gostei da ideia que me ocorreu e que é a seguinte: A fotografia tenta interpretar a filosofia do ministério do "Canto da Rola" -- Partilhar a vida (neste caso, a vida pastoral) na sua intimidade. Partilhar o coração; a realidade e não a aparência.


Será isso?

J. P. F.

08 setembro 2007

Finalidades

Uma primeira reacção, dirigida aos «jovens Alan e Celeste» (!), vem do nosso amigo Eng. Camilo Coelho, que pergunta acerca das nossas finalidades no blog. Achei uma boa oportunidade de esclarecer que todos os possíveis objectivos que o Ir. Camilo menciona - divulgação do «Canto da Rola», apoio devocional, reflexão teológica, investigação bíblica, informação actualizada - estão nas nossas intenções. Alguns deles iremos conseguir fazer melhor na prática do que outros!
Mas não sentimos a necessidade de isolar ou separar os objectivos de alguma maneira. A nossa visão no «Canto da Rola» tem alguma coisa a ver com o conceito de hospitalidade da família de Francis Schaeffer: partilhavam não só ideias e convicções, mas também a sua vida. O testemunho da família, ou os debates à volta da mesa, tinham tanta importância, ou às vezes mais, do que os discursos académicos e os livros. Mas estes também tinham!
Sentimos a vontade de contribuir alguma coisa pastoralmente acerca de nós próprios e acerca da nossa fé. Acharíamos desnecessário estar a tentar estabelecer prioridades entre esses objectivos. Tem a ver também com o nosso conceito de «pastor» - alguém que abre o seu coração e tenta reflectir algo da imagem de Jesus para os outros através do seu exemplo. Já muitos têm vindo ao Centro à procura desse tipo de ministério. Algumas vezes conseguimos dar-lhes algo: outras vezes creio que não conseguimos.
A vantagem do «blog» é que tornou muito informal o discurso e abriu o espaço para esta visão holista da comunicação. Não imagino algum dos meus professores da Universidade (de Literatura Inglesa ou de Teologia em Cambridge) a ter conseguido comunicar desta maneira: o ideal do académico era ser o menos pessoal possível! E, às vezes, por influência deles, ainda dou comigo ainda a tentar ser académico nesse sentido!
Creio que tudo isto dirá muito mais a quem nos conhece do que a desconhecidos. Estes estarão à vontade para perguntar, sugerir, criticar.... O Ir. Camilo é um deles e esperamos que se sinta à vontade para propor assuntos (que, obviamente, não terão a ver só com as posições de alguma denominação). Ao abrir o «blog» poderão concluir rapidamente se interessa ou não aquilo que vai a seguir. Este método de comunicação também é bom no sentido de não impor nada a ninguém!
Pensamos que alguns podem encontar aqui um espaço para colocarem questões interessantes. Pensamos que este mundo da informática - que tem algumas desvantagens grandes - também tem algumas vantagens grandes e este é uma delas.
Aguardamos mais reacções!

07 setembro 2007

Casamento do John e a Laura

No dia 18 de Agosto, nas lindas instalações da Igreja Anglicana em Wye, Kent, Inglaterra, o John e a Laura uniram as suas vidas. Um grupo muito significativo de amigos e familiares de Portugal estiveram presentes e o pregador foi o Tiago Branco - desde o princípio amigo e sócio da Associação Evangélica Cascatas. A maior parte deste grupo português ficou instalado numa casa só - de um casal amigo da Laura. A festa depois realizou-se na Challock Memorial Hall - os convidados trazendo a sua própria comida. Esta ideia de «bring and share», como é óbvio, evita alguns dos problemas habituais dos casamentos - mas cria outros. Merecem os nossos parabens os pais da Laura, Chris e Maggie Beswick, pelo trabalho da coordenação e a Isabel Jorge, irmã da Celeste, já experiente há muitos anos em arranjos florais para casamentos.
A partir do fim do dia no sábado o tempo piorou, havendo chuva quase constante durante vários dias a seguir!
O John e a Laura passaram a sua Lua de Mel em Totnes, Devon..... e agora estão (será possível?) a passar alguns dias no Canto da Rola, antes de seguirem para o seu novo projecto na cidade do Porto.
Estejam com atenção: dentro de dias devem poder ver uma fotografia do casamento, ainda mais recente, da Lilian e do Luís!
Um abraço de Alan Pallister.