17 setembro 2007

Ama - e faz o que quiseres

Esta frase vinha comigo desde a altura em que se começou a falar sobre a Ética da Situação..... Anos ´60 e ´70.... Joseph Fletcher, John Robinson (este último o meu professor de Novo Testamento em Cambridge!).
Depois José Miguez Bonino - um simpatizante protestante hispano-americano da Teologia da Libertação - usou a frase como título para um livro sobre a ética cristã.
Sempre se dizia (correctamente) que a frase era de Agostinho de Hipona - o chamado «Santo Agostinho». Mas, agora, finalmente fui «consultar Agostinho» por meio da Internet, para saber qual era o sentido que ele realmente dava à frase.
Aqui vão algumas considerações sobre o sentido que se costuma dar à frase - e o sentido que realmente tem, em Agostinho que, ao usá-la, está a comentar o texto de Paulo de Romanos 13.

O que se costuma dizer - desde que a Ética da Situação adoptou a frase - é que em questões éticas o amor é o valor superior e o único absoluto. Da mesma maneira que o amor é o atributo supremo de Deus (afirmação esta que a Teologia Sistemática facilmente desmente), o amor é o critério supremo que deve governar as nossas acções. Robinson e outros não estavam a favor do sexo extra-conjugal: pelo menos em 99% dos casos! Mas, se uma mulher presa num campo de concentração, para poder ser liberta, por amor à sua família, engravidasse através de uma relação sexual com um guarda, estava a agir contra uma regra (a que limita o sexo ao casamento) por amor a uma regra superior (o amor). Na situação o seu acto seria justificado.

Não é difícil pensar em situações na ética médica em que se pode aplicar o mesmo critério.... eutanásia, por «amor» a quem sofre, por exemplo.

Na Ética da Situação a tendência é contrapor regras umas contra as outras - e, depois, dizer qual é a regra suprema. Por isso, os casos típicos que costumam ser dados sempre implicam a quebra de alguma regra considerada menos importante (como a pureza sexual no exemplo já dado, por exemplo).

Agostinho terá sido um «eticista da situação», séculos antes do nosso tempo? Ou esta interpretação do seu pensamento será incorrecta?

Agostinho, na homilia em que esta frase aparece (aqui cito de «Seapadre Homilies»), afirma basicamente que em tudo o que fazemos devemos expressar amor. Um pai pode castigar um filho e um raptador abraçá-lo. No primeiro caso o pai expressa amor e no segundo o raptador expressa iniquidade. O amor não faz necessariamente que nos sintamos bem primeiro.

Termino com uma tradução de uma citação mais extensa de Agostinho, na convicção de que encerra princípios bíblicos preciosos - ao mesmo tempo que desmente o uso abusivo que a Ética da Situação costuma fazer de uma frase isolada desta homilia:
"As obras dos homens só podem ser discernidas pela raíz da caridade (do amor). Porque muitas coisas que os homens fazem têm uma boa aparência, e mesmo assim não procedem da raíz do amor. Porque as espinhas também têm flores: algumas acções realmente parecem duras, mesmo selvagens, no entanto são levadas a cabo para a disciplina, comandadas pelo amor. De uma vez para sempre, então, um preceito simples vos é dado: Amai, e fazei o que quiserdes: se calardes, por amor calai; se gritardes, gritai por amor; se corregirdes, corrijai por amor; se poupardes, poupai por amor: deixai que a raiz do amor esteja dentro de vós, desta raiz não pode brotar nada sem ser aquilo que é bom" (Homilia VII, PARÁGRAFO 8).

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