12 dezembro 2009

O ALENTEJANO E O SEU VOLKSWAGEN AMARELO





O alentejano vinha da área de Chança. Era já membro da igreja de Caldas da Rainha há alguns anos quando chegámos aqui: até havia uma acta de uma reunião da igreja que tinha sido secretariada por ele. A sua mulher também era membro da igreja e tinham um filho jovem, um adolescente e uma menina pequena.

O alentejano tinha infelizmente o vício do álcool. Quem tem experiência desse problema sabe como é: ele era dócil e humilde quando não tinha bebido, pedia repetidamente perdão ao Senhor, com lágrimas nos olhos.... mas, depois, caía novamente. E quem o via assim não conseguia compreender as frequentes cenas de violência que surgiam em casa quando ele estava sob a influência do álcool.

De acordo com os nossos princípios, aconselhámos o casal a não encarar o divórcio como a solução para o seu problema. Mas vários períodos de separação teve que haver – para bem da esposa e dos filhos – a título mais imediato (e também dele porque depois se sentia muito culpado!)..

O Volkswagen amarelo do nosso amigo já tinha bastantes anos. Mas ele cuidava-o bem, dentro das limitações da sua situação financeira dificílima.

Houve um período em que, estando separado da sua família, pela razão habitual,
o alentejano não tinha a possibilidade de ir para a sua terra. Resolveu dormir no carro, à frente da sua casa, durante várias semanas. Ao menos assim podia ver a família, dizia ele. Mas os vizinhos comentavam! Talvez alguns tenham pensado que era falta de amor da parte da esposa deixá-lo assim. De facto não sei se realmente pensavam isso – mas ela, a mulher do alentejano, sentia que era assim que eles pensavam. Eles não pensavam no que ela sofria quando o seu marido estava embriagado e entrava em casa! Também não gostávamos da solução que ele encontrou: infelizmente durante bastante tempo não tivemos uma melhor a propor....

...até ao dia em que nos lembrámos de propor que o alentejano fosse passar um tempo num Centro de recuperação da Remar, até porque a sua saúde estava a deteriorar. Ele aceitou esta proposta e foi com mais dois – os outros com problemas de droga – ficar num Centro perto da Serra de Lousã, e posteriormente noutro perto de Azambuja. Neste Centro ele foi estimado e conseguiram que deixasse o hábito de se ir «consolar» na tasca mais próxima. Naturalmente o Senhor o terá ajudado a ganhar força. Devido à idade (tinha cerca de 50 anos na altura), e a problemas cardíacos, não podia fazer os trabalhos duros que era hábito os utentes do Centro fazerem. Mas passou a ser «conselheiro» – os jovens tratavam-no como um tipo de pai.

O seu principal problema era que a sua mulher e filhos estavam longe e ele tinha muitas saudades deles. Ela sabia que, se fosse visotá-lo, ele quereria voltar logo com eles - e voltar com eles poderia facilmente significar voltar ao álcool.

Depois de bastante tempo, num sábado, a sua esposa ganhou finalmente coragem para lhe prometer que o iriam visitar no Centro. Os responsáveis do Centro disseram que esta notícia deu uma alegria tão grande ao nosso amigo alentejano que ele não a podia conter. E, durante a noite, morreu de ataque cardíaco, feliz, pensando na sua família que iria voltar a ver!

Creio sinceramente que nessa altura o alentejano se estava a manter-se livre do vício. E não duvido da fé simples que ele professava antes – e que agora aplicava à sua vida com mais coerência. Mas a sua família – a esposa sobretudo – parecem ter tido sentimentos de culpa, depois da sua morte, com os quais não conseguiram lidar. Apesar de nós lhes termos dito repetidamente que estavam a fazer, na situação, aquilo que podiam.....

2 comentários:

Tiago Franco disse...

Não consigo arriscar uma moral da história...

Alan Pallister disse...

Tiago:
Contei as coisas tais como aconteceram. Na minha experiência, a vida real nem sempre tem uma moral evidente!