16 agosto 2008

A RESPOSTA DE VINOTH RAMACHANDRA

Com uma rapidez impressionante, veio a resposta de Vinoth, de Sri Lanka, (apesar de ele dizer que estava a preparar para uma viagem a Austrália onde iria dar conferências). Conhecia-nos de nome – e conhece o John e a Laura do GBU. Resumo uma parte da sua resposta e reproduzo os pontos centrais.

Questiona se, como pastor, eu devo aceitar a simplicidade dos crentes e deixá-los no ponto em que se encontram. Jesus não ofereceu apenas um «caminho para o céu na altura da morte» - desafiou os seus ouvintes para uma vida de discipulado em que eram chamados a viver contra os valores e expectativas dos seus contemporâneos.

Ao facto de os Evangelhos e Paulo terem sido lidos sem referência ao contexto hebraico e romano, Vinoth atribui a compreensão docetista e gnóstica da salvação que é típica dos evangélicos actuais. A primeira heresia importante que a igreja primitiva teve que enfrentar, o marcionismo, encontra-se viva e activa no nosso meio. Concordo! Precisamos, diz ele, de redescobrir a criação e o concerto no ensino do V.T. para compreender a proclamação de Jesus do reino de Deus. Em Portugal, Vinoth encontrou uma falta de conhecimento do V.T. nos estudantes, e mesmo nos obreiros, do GBU. Mostra como os reformadores e Agostinho não caíram no individualismo em que nós costumamos cair – mesmo nas leituras (selectivas!) que fazemos dos textos deles.

Nesta parte tenho pouco a dizer contra as respostas de Vinoth: creio apenas que, não me conhecendo, julga que estou mais longe da sua posição do que estou na realidade. Nunca quis, como é evidente, deixar os crentes «simples» no ponto em que se encontram! Levo meses, por exemplo, a expor 1 Samuel, capítulo por capítulo, na igreja que pastoreio. A seguir virá 2 Samuel, se Deus permitir! Já expus uma boa parte dos livros do V.T. da mesma maneira. Quando exponho a Escritura, o V.T. é lido à luz da Bíblia como um todo, e o ensino expositivo do N.T. nunca é feito divorciado do V.T. Reconheço sem hesitação a influência inconsciente de heresias, parecidas com as antigas, na leitura simplista que o evangélico típico muitas vezes faz da Bíblia.

Passo a reproduzir mais exactamente as respostas de Vinoth às minhas duas perguntas. Diz assim:

(1) «Não estou a negar nem a “justificação pela graça mediante a fé” ou a necessidade da fé pessoal em Cristo. Pensava que tinha tornado isto muito claro no artigo. O evangelho tem que ser apropriado de uma forma pessoal e exige uma transformação total das nossas lealdades, ambições, valores, etc.»

(2) «O que estou a negar é que o conteúdo da mensagem do evangelho deve ser identificado com a “justificação” ou com “a maneira de ir para o céu”. Este segundo tipo de vocabulário não existe na pregação de Jesus nem dos apóstolos; e o primeiro termo é mais bem compreendido como uma consequência do evangelho do eu como o seu conteúdo. Expandindo este ponto, é exactamente porque Jesus é Senhor – este judeu crucificado foi ressuscitado por Deus para exercer autoridade sobre toda a história, todas as nações e o cosmos – que a justificação é pela fé e não pela obediência à lei judaica. Esta é a lógica que Paulo trabalha ao longo do Livro de Romanos. O coração do evangelho encontra-se na introdução (1:3, 4) e é desenvolvido ao longo do resto da carta. E a salvação em Romanos (não só em Efésios 1 e Colossenses 1, cf. os seus comentários – isso é, os «meus»!) não é meramente individual mas cósmico (cf. 8:18 e seg., o clímax do seu argumento). Mais uma vez temos sido mal orientados devido às leituras individualistas de Romanos, ao facto de não atendermos ao contexto social e político do livro, e à maneira como Lutero e os seus herdeiros usaram o livro na polémica da Reforma e a seguir.»

(3) «Afirmo que, sempre que o nosso evangelismo pessoal ou a nossa pregação pública estão divorciados da obediência a Jesus (ou, como costuma ser o caso, a nossa obediência é selectiva e reduzida apenas à “evangelização”), não só deixamos de ter credibilidade perante os outros mas a própria natureza do evangelho, e aquilo a que chamamos as pessoas na nossa pregação, muda de uma forma subtil e profunda. Existe tanta «pregação evangélica» hoje que reforça em vez de desafiar os valores dominantes do nosso mundo – isso é a obsessão com o «eu».

Vinoth também diz que admira o meu amigo com mais de 80 anos, cujo exemplo citei, e ele e a sua esposa partilham essa preocupação com membros das suas famílias que não seguem Jesus. Mas diz que temos que deixar a questão do seu destino final nas mãos de um Deus que conhece os corações e que é infinitamente mais justo e misericordioso do que nós podemos ser. Concordo!

Termino com duas observações que espero (algum dia!) poder partilhar com o Vinoth.

(1) Aprendi da resposta que Vinoth me enviou que encara a justificação como uma consequência do Evangelho mais do que do seu conteúdo. Aparentemente, no artigo, Vinoth estava a considerar esta doutrina como uma abordagem acerca do conteúdo da mensagem – e que, como outras também citadas, tende a ter resultados negativos. Isto pareceu-me demasiado drástico (e preocupava-me a doutrina das Escrituras que isto parecia sugerir). Quando se afirma que a justificação é uma consequência e não o conteúdo, o meu problema desaparece. Mas não me parece que ele tenha dito exactamente isto no seu artigo. Gostava de saber se outros leitores fizeram a mesma leitura que eu. Vinoth é claramente uma pessoa com reacções fortes, que são o fruto de outras polémicas. Entre nós as guerras a travar talvez tenham que ser outras um pouco diferentes! Ou a linguagem um pouco mais cuidadosa!


(2) Numa altura Vinoth afirma no seu E-mail que precisamos de todo o Corpo de Cristo para expor os nossos pontos de cegueira. Mas creio que concordará comigo que não precisamos de heresias (como, por exemplo, docetismo, gnosticismo ou marcionismo) para nos ajudarem nessa tarefa! O problema com as heresias é que já se cristalizaram e se colocaram fora do âmbito do corpo de Cristo. Não me parece que o caso seja necessariamente o mesmo com leituras um tanto individualistas que são feitas do Evangelho hoje. Só temos problemas sérios se os crentes que as fazem não estão abertos para serem ensinados (se não são «ensináveis»!). Se eles são, nós também, que temos compreendido outros aspectos, o temos que ser. Também são «corpo de Cristo». Sem eles eu também não sou completo para poder perceber todas as riquezas de Cristo e da Sua palavra (Efésios 3:18).


Apelo a «todos os santos», leitores deste «blog», para darem a vossa opinião, sobre um pequeno debate à distância que para mim foi muito instrutivo!

4 comentários:

Pedro Leal disse...

Obrigado por partilhar este diálogo connosco. Não consegui encontrar o texto no site do GBU mas deixo algumas linhas sobre o conteúdo dos posts.
Como o Pastor diz, há nas palavras de Vinoth ecos de outras "guerras". Seja como for, isso não justifica, na minha perspectiva, uma certa subvalorização da salvação - há algo mais importante para ser pregado pelo cristão do que a vida eterna com Deus, que começa já aqui? Ou achamos que todos são salvos? Ou achamos que aquilo do "único caminho", que Cristo afirma ser, é um bocado de exagero da Sua parte? Às vezes parece-me que há crentes entediados com a salvação, que a alegria sempre renovada de saber que estava perdido e foi achado não lhes basta. Precisam de outra adrenalina. Claro que o Reino é importante, e a intervenção e relevância social também, mas se beliscamos, por pouco que seja, a centralidade da salvação na mensagem evangélica, estamos a perder, não estamos a ganhar. Faz-me lembrar aqueles relógios muito bonitos, muito elegantes, que são óptimos ornamentos mas onde não é possível saber, com exactidão, as horas certas.

Um abraço

Anónimo disse...

O artigo do Vinoth pode ser aberto directamente através do link no título deste comentário.

Tiago Cavaco disse...

Caro Pastor Pallister, comentei aqui o assunto:
http://prantoerangerdedentes.blogspot.com/2008/09/em-que-o-aluno-paternaliza-o-professor.html . Permita-me o tom paternalista do escrito.
Um abraço.

Anónimo disse...

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