30 setembro 2008

Ao Penedo....

Não conheço pessoalmente o «Penedo» - que se apresenta como «leigo» e como «eterno estudante»! Mas achei intrigante que, não conseguindo perceber o que era a questão, na minha troca de impressões com o Vinoth Ramachandra, tivesse a curiosidade para me perguntar.
Queria, então, tentar colocar a questão de uma maneira mais simples.
Os evangélicos, durante muitas décadas, tiveram o hábito de apresentar a sua mensagem como sendo «individualista» e «espiritual». Isto é, através de um encontro pessoal com Cristo, encontramos a salvação da nossa alma, um lugar seguro no céu, etc. A igreja é um conjunto de pessoas salvas por Cristo e que tem como tarefa evangelizar os outros, para que mais almas se salvem, mais pessoas tenham um lugar seguro no céu, etc.
Para pessoas que focam a mensagem cristã assim, o trabalho social feito por cristãos, por exemplo, parece um desvio, dando atenção a uma dimensão material da vida que só tem interesse temporal.
Vinoth Ramachandra faz parte de uma longa tradição de cristãos evangélicos que têm feito notar que a própria Bíblia não divide o homem desta maneira – numa parte espiritual (a que temos a responsabilidade de nos dirigir) e uma parte material (que é melhor deixar para os outros). Apelam, correctamente na minha opinião, a textos como Jeremias 22:13-17, Miquéas 6:8, Mateus 5:13-16, Mateus 25:31-46 .... entre muitos mais. A «Missão Integral» é uma forma de trabalhar com as pessoas que tenta englobar tudo o que são , «alma» e «corpo», e considera tão válido o envolvimento do cristão na política para tentar que a sociedade seja mais justa, como a pregação do Evangelho, do púlpito e pessoalmente, que foca as questões «espirituais» ou «eternas».
Considero-me também defensor da «Missão Integral», mas, obviamente, com muito menos conhecimento e capacidade de diálogo com a sociedade actual do que o Vinoth. Em 1983, por exemplo, publiquei um livro com o título «O Sabor do Sal», editado pelo Núcleo, em que tentei defender alguns dos mesmos princípios.
Em relação com o Vinoth, a minha única razão de entrar em diálogo foi porque, no seu artigo “O que é a Missão Integral?”, me parecia que estava não só a expressar a sua discordância com a abordagem individualista dos evangélicos tradicionais, mas estava também a usar termos um tanto irónicos em relação com pessoas que sinceramente têm esta ênfase. Ao comparar este tipo de evangelização com a venda de «apólices de seguros», por exemplo, achei que podia ofender irmãos que, tendo uma visão um tanto tradicional ou individualista, agem com muita sinceridade e dedicação. Ainda por cima estes irmãos muitas vezes estão abertas para aprender de nós em outros aspectos: não seguem a sua linha, necessariamente, por teimosia ou por terem uma mente fechada.
Enviei um E-mail ao Vinoth, em Sri Lanka, e recebi uma resposta quase imediatamente. Através da resposta, percebi que ele compreendia a minha preocupação por estes irmãos mais tradicionais mas que, muitos deles, são extremamente dedicados e que trabalham com sinceridade. Senti-me de imediato mais perto dele. Mesmo achando que podia ter dito algumas das coisas de uma forma mais cuidadosa.
No corpo de Cristo cabem muitas abordagens, sensibilidades e filosofias de trabalho diferentes. Só temos vantagem em tentar valorizar positivamente aqueles irmãos que, sendo diferentes de nós, podem ser para nós exemplos de coerência e coragem.
O irmão Vinoth vem de um contexto asiático em que há muita pobreza. Precisamos também de dar atenção ao que tem a dizer aos ocidentais - acerca de uma vida coerente de compromisso com Cristo que abrange todos os níveis da nossa existência.

09 setembro 2008

Resposta a Tiago Cavaco acerca de Vinoth

Obrigado pela atenção que deste ao meu diálogo com Vinoth Ramachandra!

Não tenho muita experiência de «blogues» e está a ser uma experiência interessante perceber o que é que as pessoas conseguem captar e o que não conseguem captar através deles. Mas, como a tua reacção tem alguma coisa em comum com a do próprio Vinoth, admito a hipótese de que eu não tenha dito o suficiente para situar os meus potenciais leitores em relação com as minhas convicções ou com as minhas motivações ao entrar no debate.

Tu – e o Vinoth – captaram, do que parece, uma certa «inocência» nas minhas reacções. Mas nenhum dos dois conseguiu perceber de onde é que vinha essa aparente «inocência». Claro que o meu blogue não entrou em considerações históricas. Lembro-me, por exemplo, (só uma pequeníssima parte da história que presenciei e vivi!) de ter ido debater posições semelhantes às de Vinoth num encontro no Centro Ecumênico de Figueira da Foz, nos anos ’80 (o Pt. Abel Pego também foi), perfilhadas na altura por José Miguez Bonino, um «teólogo da libertação» evangélico da América Latina.

Miguez Bonino conseguia articular as suas preocupações socio-políticas e a sua teologia de uma forma convincente (não pecava, como Gustavo Gutiérrez e outros pecavam, da fraca exegese bíblica habitual entre os católicos da Teologia da Libertação). Vinoth também consegue articular preocupações semelhantes e fala com frescura para uma geração nova. Mas, como deves perceber, não há muito de realmente novo naquilo que Vinoth diz – nem poderia haver: ele está apenas a reafirmar certas posições acerca da necessidade da «integralidade» que precisam de ser afirmadas em cada geração.

O comentário do GBU no teu blog («Pedro said») é um modelo de síntese e identifica correctamente as preocupações principais de Vinoth. Curiosamente, e isto parece que nem tu nem Vinoth conseguiu captar (por isso admito que não o tenha dito com a clareza suficiente), estou com ele e as minhas posições são bastante semelhantes às dele (embora as exponha com menos profundidade e com uma linguagem menos cativante para a geração nova).

O Vinoth parece ter lido nas minhas palavras uma reacção «inocente» que tem como pano de fundo o individualismo e espiritualismo ocidentais. Às vezes afirma que esta mentalidade é inconscientemente herética (docetista, marcionista, etc.). Na minha óptica a ênfase na salvação individual é um componente incontornável que existe na Bíblia («Pois que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua alma?» - substituir a palavra «alma» pela palavra «vida» não retira nada da força desta preocupação), e se alguns dos meus irmãos na igreja gastam as suas lágrimas em oração e as suas vidas em esforços para tentar levar os seus amigos a conhecer o Salvador (individualmente!), não devo dizer nada para os desmotivar, nem sequer implicitamente. Só devo complementar a sua ênfase, com exortações para eles, e os que levam a conhecer Cristo, «guardarem todas as coisas» que Ele tem mandado.

A resposta que Vinoth me mandou ajudou-me a compreender que ele também tem este sentido do «corpo de Cristo». Para ele também estas abordagens se completam e não devem ser contrapostas uma à outra. No seu artigo há momentos (como quando fala na «justificação pela fé», por exemplo), em que parece que não é assim – parece estar a entrar num reducionismo liberal (quando os meus professores em Cambridge não conseguiam encaixar uma doutrina que o NT ensinava, diziam que fazia parte de uma «tradição» menos importante dentro do «material» do NT!). Através do diálogo, consegui perceber melhor que Vinoth não pertence de maneira nenhuma a esta tradição liberal, já antiga. Espero que ele também tenha compreendido que não sou tão «inocente» como possa ter parecido!

Também, no que diz respeito à tua reacção, perdoa-me, mas creio que me estavas a citar como se fizesse parte de algum tipo de «hierarquia baptista» que tem por hábito alhear-se destas questões. Nem fui criado no meio baptista nem estudei numa faculdade doutrinariamente conservadora (mais liberal do que a Faculdade de Teologia em Cambridge, seria quase impossível achar – até hoje!). Identificaste mal as razões da «inocência» com que me situo perante Vinoth. Esta transparece no artigo por causa de, na minha posição pastoral, me identificar com muitos crentes que não lêem blogues, nem conseguem entender estes debates mas que, em alguns aspectos, agem com mais coerência e mais coragem do que eu.

Queria defender e ajudar estes – como, segundo o que já percebi em outras publicações no teu blogue, também os queres defender e ajudar.

Na tua reacção senti-me mal compreendido! (E senti, como é óbvio, que estavas a atacar muito mais o Seminário do que a mim! Talvez precises de conhecer melhor a nossa escola!) Mas a parte que me diz respeito não é muito importante se o resultado do nosso diálogo for alguns dos nossos leitores esforçarem-se, e nós também nos esforçarmos, para sermos cristãos mais «integrais» na sociedade em que vivemos.

02 setembro 2008

O DEUS DE DAWKINS

«Não creio realmente ser arrogante, mas tenho pouca paciência para as pessoas que não partilham da mesma humildade que eu perante os factos».

Esta frase, do famoso cientista ateísta Richard Dawkins, é citada por Alistair McGrath, no seu livro «O Deus de Dawkins», publicado em inglês em 2005 e em português (Aletheia Editores) em Janeiro de 2008.
Encontrei o livro «por acaso», quando um dia estava a fazer as minhas compras no «Modelo». Quantas vezes acontece encontrarmos um livro de um pensador evangélico tão distinto e actual como McGrath, num formato atractivo, numa boa tradução, a um bom preço, num dos nossos hipermercados? (Ainda por cima normalmente faço as compras em outro hipermercado!).
A leitura do livro deixou-me fascinado! O autor, além de ser professor de Teologia Histórica em Oxford, tem formação superior em ciências. Quando, em 1977, leu «O Gene Egoísta» de Richard Dawkins, já foi desafiado a escrever uma resposta, desde um ponto de vista cristão. E, embora McGrath não se sentisse capaz de o fazer na altura, a ideia ficou, e publicou o livro em 2005!
O problema com Dawkins é que argumenta de uma forma muitas vezes brilhante as suas posições em questões científicas mas, quando se dirige à questão de Deus, usa argumentos bombásticos e simplistas (um pouco à maneira de «Porque não sou Cristão», de Bertrand Russell). McGrath examina e critica estes argumentos de uma forma brilhante e equilibrada - e acha-os em falta.
Um aspecto que vai surpreender o leitor atento de «O Deus de Dawkins» é o facto de McGrath mostrar que o darwinismo em si não leva necessariamente ao ateísmo. Darwin não era coerentemente ateísta: se veio a rejeitar o Deus do cristianismo, tomou esta atitude por causa de outros factores (como a morte de uma filha, por exemplo) e não por causa das suas posições sobre a evolução.
Um dos primeiros teólogos evangélicos a admitir a possibilidade de conciliar o processo evolutivo e os dados da Bíblia foi Benjamin Warfield - que dificilmente alguém argumentará não ter sido evangélico ou conservador:
«Se Darwin considerava o processo evolutivo como estando alicerçado nas variações do acaso, e que o destino subsequente era determinado por princípios gerais, Warfield argumentava que era absolutamente correcto olhar para o processo evolutivo como sendo guiado pela divina providência» («O Deus de Dawkins», p. 101).
E James Orr, um dos autores e fundadores de «The Fundamentals» (origem do termo «fundamentalista»!), defendeu uma posição semelhante. Ao mesmo tempo, muitos outros cristãos argumentaram que o darwinismo e a doutrina bíblica da criação eram absolutamente incompatíveis.
O autor destas linhas tem uma posição mais criacionista do que isso! Não partilho a abertura para o darwinismo de Warfield, Orr ou McGrath. Mas não os considero «liberais» por causa disso: considera que o que está em causa aqui são posições diversas que é possível sustentar, sem deixar por isso de ser considerado evangélico.
Mas a razão principal porque menciona neste blog o livro de McGrath não é por causa do debate entre o criacionismo e o evolucionismo. É por causa do debate entre o ateísmo e o teísmo – e nomeadamente o teísmo cristão. «O Deus de Dawkins» para mim é um livro magistral para quem deseje dialogar com os ateístas ou agnósticos do nosso tempo.
Por causa disso estou extremamente feliz por ter mudado de hipermercado nesse dia!