28 outubro 2009

Os problemas de disciplina (PD) na igreja... especialmente os não resolvidos (PDNR)....

Agora voltamos aos «Retalhos da Vida de um Pastor»!

Esta postagem é fruto de alguma experiência pastoral, tem a ver com realidades que se manifestam em todas as igrejas – e, através dele e o diálogo resultante, com aquilo que podemos aprender uns dos outros. Tentarei evitar pormenores demasiado delicados para serem partilhados. As siglas PD significam problemas de disciplina (na igreja). Podem ser qualificados, entre outras maneiras, como pequenos (P), desnecessários (D), resolvidos (R, ou não resolvidos (NR).

Não vou ensinar aqui como é que se faz disciplina da igreja. Os meus textos de base são Mateus 18:15-20 e 1 Cor. 5. Tratam de praticamente tudo o que é preciso dizer à partida.
Os «PD»s em geral têm a ver com as áreas clássicas: sexo, dinheiro e poder.
Hoje, neste blog, os «PD» mais focados vão ser os não resolvidos, os PDNR.

As igrejas evangélicas às vezes gostam de «crescer» umas à custa das outras. Costumam dizer que não. Mas no fundo, se puderem (de preferência sem darem muito nas vistas) – muitas vezes gostam.....
Por exemplo, uma pessoa é disciplinada por uma igreja de outra denominação. Vem contar o tipo de disciplina que foi exercida e diz que é obviamente um problema pequeno (PDP): quem é que se lembraria de disciplinar uma pessoa por um problema desses?
Uma vez um elemento que frequentava a nossa igreja, e que estava numa situação dessas, veio falar do pequeno problema que tinha levado à sua exclusão de outra igreja. Queria passar a ser membro da nossa igreja, onde os seus dons seriam úteis. De facto considerava a disciplina que tinha sido exercida completamente desnecessária (um PDD!).
Expliquei-lhe que todo o PD tem a ver com o corpo de Cristo em geral, não só com uma denominação. Transitar de uma denominação para outra não resolve um problema. Disse-lhe que ia contactar o pastor da sua igreja, para poder avaliar melhor a situação. Marquei primeiro uma conversa com o pastor. Depois, os dois pastores marcámos uma conversa com a pessoa em questão.
O problema é que, depois dessa confrontação com a pessoa, vi claramente que o problema de disciplina nem era pequeno nem era desnecessário! Na conversa inicial, que a pessoa tivera só comigo, parecera! Mas a sua dificuldade não tinha sido minimamente resolvida. Embora simpatizando com a pessoa, vi que ela não estava disposta a fazer um jogo aberto e franco com outros que tinha prejudicado. Para os dois pastores a conclusão era clara: para já, a pessoa não poderia ser membro de uma igreja nem de outra.
E, se eu tivesse aceite a pessoa, ignorando o seu «pequeno problema», para acrescentar mais um elemento à lista de membros da minha igreja? Ou se o outro pastor tivesse «feito vista grossa», dizendo que o problema já não tinha importância, para ter a sua ovelha de volta ou para que não fosse «perdida» para a sua denominação?!.
Ficámos com um problema que não se resolveu. Mas, para a integridade das nossas respectivas congregações, não terá resultado algum benefício, do facto de como pastores termos marcado posição em harmonia um com o outro? (AP)

20 outubro 2009

CALVINO ENCONTROU ERROS NOS TEXTOS BÍBLICOS?

Na sua resposta à minha última postagem, o John (Pallister!) cita um artigo interessante de John Perry que dá evidência de nem Lutero nem Calvino terem acreditado na inerrância bíblica, no sentido em que esta é geralmente entendida hoje. Sobre Lutero não comento: já muitas pessoas, que em outras matérias o respeitam muitíssimo, encontraram incoerências deste tipo na sua obra.

Em relação com Calvino, devo dizer que alguma admissão que ele faça, de um texto bíblico ser menos do que «inerrante», além de ser extremamente rara, retira pouco da avaliação geral que o reformador faz das Escrituras como puras e perfeitas.

Por exemplo, o artigo de Perry só cita um exemplo relacionado com Calvino. Cita o seu comentário sobre Mateus 2:1-6, em que o reformador diz que a «estrela» que conduziu os magos a Jesus deve ter sido um cometa. Diz que não há impropriedade no facto de Mateus, que usa a linguagem popular, o chamar incorrectamente uma estrela.

Este não é um problema no texto da Bíblia que cause problemas aos que defendem a inerrância hoje, uma vez que eles admitem que Deus Se comunica algumas vezes em linguagem popular, fazendo descrições da natureza com base na observação («Declaração de Chicago sobre a Inerrância da Bíblia», Artigo XIII). Na minha opinião Calvino teria sido mais fiel ao seu próprio princípio se não tivesse usado aqui a palavra «incorrectamente». Não havia na sua época um debate aceso sobre a questão da inerrância que o obrigasse a escolher uma palavra melhor neste ponto! Mas dizer, como alguns (não incluindo Perry, que de facto não o diz) que há muitas passagens deste tipo em Calvino seria um exagero imperdoável. Dizer que Calvino tem um conceito de inspiração ou autoridade que admita uma margem de erro na Bíblia é também completamente falso.

Já ouvi dizer, por exemplo, que Calvino negava que Pedro tivesse sido o autor de 2 Pedro. De facto o que ele diz sobre o assunto é o seguinte:
«Se for recebida como canônica, temos que admitir Pedro como o seu autor, uma vez que tem o seu nome inscrito, e ele também testemunha que viveu com Cristo: e teria sido uma ficção indigna de um ministro de Cristo, ter-se apresentado como outro indivíduo. Daí concluo que deve ter procedido de Pedro, não no sentido de ele próprio a ter escrito, mas que alguns dos seus discípulos puseram em forma escrita, por ordem dele, aquelas coisas que a necessidade dos tempos exigiam. Porque é provável que já estivesse numa idade muito avançada, porque ele próprio diz que está perto do fim» (Comentário sobre II Pedro).

Haverá algum «inerrantista» de hoje que não aceite, pelo menos como princípio, este tipo de raciocínio cuidadoso?

Calvino também acha que Mateus 27:9 devia citar o nome do profeta Zacarias e não o de Jeremias. Mas não diz se é um problema do texto original – ou se é um problema textual surgido depois. Com uma exemplar humildade afirma que não sabe como é que o nome de Jeremias se introduziu aqui.

O exegeta sério de todos os tempos, antes e depois de ter sido inventada a palavra «inerrante», sabe muito bem que numa determinada altura surgem aparentes discrepâncias (as que encontro pessoalmente são poucas e pequenas) que não conseguimos resolver. E que a nossa maior sabedoria nesses casos não é abandonar uma doutrina que a própria Bíblia ensina. É dizer: «neste caso, não sei»!.

13 outubro 2009

Calvino ainda fala - 500 anos depois!

Interrompendo a série de «retratos da vida de um pastor», gostava de comentar um acontecimento em que participámos na celebração dos 500 anos desde o nascimento do grande reformador.
No sábado, numa série de debates organizados pela Igreja Presbiteriana na Universidade Lusófona, participei, a convite do David Valente (agora o nosso sobrinho por afinidade) sobre o tema de Calvino, exegeta das Escrituras. Nessa sessão, o Pastor José Manuel Leite e o nosso amigo Tim (Dr. Timóteo Cavaco!), também participaram.
Em primeiro lugar devo confessar que o Pastor Leite tinha preparado a sua participação de uma maneira muito mais completa do que eu. Tive que lhe agradecer a sua brilhante exposição – em que ele explicou ponto por ponto aquilo que eu dissera só resumidamente.
Só que no princípio o Pt. Leite disse que se sentia menos calvinista «desde» que fizera esta pesquisa. Interrogado sobre este desabafo, disse que antes de a fazer tinha a ideia de que Calvino era mais liberal! Então eu tive que dizer à assistência que, exactamente por causa dos pontos que o Pt. Leite tinha exposto, me sentia ainda mais calvinista!

Uma das questões levantadas no debate foi a inerrância bíblica: o termo, tendo surgido séculos depois, não é de Calvino mas, no meu entender, o conceito é. Calvino acreditava que a Bíblia, como originalmente fora dada, está livre de erros. Não encontro nenhuma passagem em Calvino em que o reformador admita a possibilidade de terem existido erros nos manuscritos originais da Bíblia.
Será que algum leitor deste blog já encontrou alguma?

Depois a Pastora Eva Michel fez uma brilhante e comovedora exposição das doutrinas da eleição e da predestinação (e mesmo a reprovação!) em Calvino – e em Romanos 8 e Efésios 1 – referindo-se ao contexto de sofrimento injusto em que as palavras originalmente foram escritas. Teríamos ficado encantados se ela não tivesse dito também que, embora reconhecesse que Calvino acreditava nestas doutrinas, ela não acreditava!

O pastor Manuel Pedro Cardoso, expondo a doutrina calvinista da igreja, referiu que dos «cinco pontos» do calvinismo se ficava só pelo primeiro (a depravação total do homem). Só que neste caso trata-se de um colega e amigo que conhecemos e respeitamos há muitos anos e sabemos que, mesmo nos restantes quatro pontos, não estará tão longe das convicções do reformador como os outros prelectores aparentemente estão!

Surgiu um momento de tensão – mesmo conflito – no debate quando um dos pastores presbiterianos presentes declarou que, na sua convicção, haverá oportunidade, consciente ou inconscientemente, para todas as pessoas aceitarem Cristo, mesmo depois da sua morte, e que Deus na Sua graça terminará por salvar todos. De facto foi isto o que alguns professores do seu Seminário, sob a influência da Alta Crítica e de Karl Barth, lhe ensinaram, já há longas décadas.

A Celeste – a minha esposa – protestou com bastante emoção contra esta afirmação (que de qualquer forma não vinha muito a propósito!), com base em afirmações da Bíblia que dizem claramente o contrário.

Sentimo-nos muito encorajados quando o nosso bom amigo, Manuel Pedro Cardoso (com cujas posições nem sempre concordamos!), também confrontou o seu colega, tanto publicamente como particularmente depois, explicando que é da essência do Evangelho a afirmação de que só é salvo aquele que, nesta vida, deposita a sua confiança em Cristo!

Foi bom estarmos e podermos participar; e foi bom que, apesar de tudo, Calvino e as Escrituras, que ele tão rigorosamente defendeu, ainda falaram mais alto do que nós!

02 outubro 2009

COISAS FEIAS ....... QUE VINHAM DE LONGE

Quando chegámos para pastorear a Igreja Baptista de Caldas da Rainha, não foi possível não percebermos que os jovens da igreja tinham votado contra a nossa vinda. É verdade que não nos conheciam.... mas a questão principal é que havia um seminarista a colaborar com a igreja que eles, muito naturalmente, gostavam de ter podido manter. Mas os adultos disseram que a igreja tinha as suas dificuldades, conflitos internos, etc., e seria preciso vir um pastor mais maduro.....
Fomos surpreendidos, a seguir, por uma série de almoços organizados por várias famílias para os jovens: um grande empenho, sem dúvida, em tentar conquistar a simpatia desses para o pastor que lhes tinha sido imposto.....
Nessas ocasiões não tínhamos outra hipótese a não ser apresentarmo-nos como somos. Mas a verdade é que não éramos exactamente aquele modelo de obreiros dinâmicos, extrovertidos e gregários que os jovens devem ter tido em mente!
Influenciados pela nossa experiência no GBU tentámos organizar estudos bíblicos para eles. Mas ficámos com a impressão de que consideravam os estudos bíblicos uma «seca». Desafiámos uma estudante na universidade da cidade a tentar organizar um GBU: disse que não queria envolver-se em nenhuma actividade deste tipo até porque só poderia prejudicar a sua situação a nível de notas!
Alguns deles faltavam sem aviso nos domingos de manhã – mesmo tendo responsabilidades na Escola Dominical! Os adultos lamentavam isto, mas achavam que devíamos conseguir agir «pela positiva» para que isto não acontecesse. Repreender, nem pensar!
Um problema que se punha era o de namoros entre crentes e descrentes. E não parece ter havido orientações claras sobre a questão do sexo pré-matrimonial. Ao expormos as Escrituras, falámos claramente sobre estas questões. E cada vez mais percebemos que o nosso ministério não era apreciado.
Ao longo dos primeiros 18 meses um sector na igreja decidiu que, uma vez que não estávamos a conseguir conquistar os jovens, não éramos os líderes certos as pessoas certas para a igreja. Em Março de 1993 surgiu a primeira tentativa de nos mandar embora, em grande parte para tentar segurar um grupo de jovens que se estava a mostrar cada vez mais “inseguro”. Em retrospectiva, não é difícil compreender a posição que esse sector tomou. (As manobras que usaram, isso é outra história!). É evidente que nenhuma igreja gosta de ver os seus jovens desaparecerem. Só que me parece que, se os adultos se tivessem colocado ao lado do pastor e do ensino bíblico, sem equívocos, podíamos ter trabalhado juntos para a mudança lenta de mentalidades. E isto afinal seria a única maneira viável de, no futuro, a igreja ter um testemunho credível para a juventude.
Mas, quando a verdade incomoda, é mais fácil querer passar ao lado dela!

Mais tarde verificámos que a nossa maior dificuldade, na área da ética sexual, não era com os jovens, mas sim com os adultos e até os idosos! Escândalos na área da moralidade sexual tinham manchado o testemunho da igreja em décadas passadas. Situações essas muito piores do que aquelas que nós estávamos a tentar resolver. O resultado é que, quando queríamos que os irmãos de mais idade manifestassem alguma convicção firme nesta área, muitos deles não eram capazes.

Soubemos também que esta cidade tinha uma cultura específica em questões sexuais que remonta pelo menos ao século XIX!

Acrescento alguns extractos, recolhidos num blog da museóloga, Maria da Conceição Parreira Colaço:

«Com a malandrice é a caracterização actual, no mercado da louça das Caldas, das canecas de faiança que integram no seu interior dois tipos de motivos: ou um pénis em erecção, ou um montículo de fezes.

«Ideia do rei D. Luís, que terá feito produzir este motivo, com carácter privado, na Real Fábrica de Faianças de Manuel Gomes, o Mafra, nas Caldas da Rainha, na segunda metade do século XIX, foi seu executor o operário João Pereira. É esta a informação fornecida em 1987 a Aida Sousa Dias e Rogério Machado:
«“Herculano Elias conta-nos o episódio do aparecimento dos falos na loiça das Caldas: ‘O rei D. Luís, visitando a fábrica de Manuel Cipriano Gomes (O Mafra), pede-lhe que invente um objecto divertido que faça distrair os seus amigos. O velho Mafra, um pouco embaraçado, incumbiu o seu operário João Pereira, por alcunha ‘O Bandalho’, de atender aquela pretensão do monarca. João Pereira, com as técnicas da época inventou um falo, monocromático, tendo na base aplicações que fazem lembrar a técnica de imitação do musgo.. »
Com esta informação não é muito difícil percebermos o carácter específico dos demónios que pairavam por aqui... e que incentivavam os crentes com anos de vida na igreja a quererem transigir.

(7ª postagem na série «Retalhos da Vida de um Pastor» de Alan Pallister)

22 setembro 2009

Quando faltam palavras....

«Lé, lé, pá».
Normalmente era tudo o que o nosso amigo, Sr. C., conseguia dizer, depois de um AVC severo que interrompeu a sua vida profissional activa como dono de uma pedreira.
A seguir a essa doença, a sua esposa passou por muitas dificuldades e, através delas e pelo testemunho de vizinhos crentes, chegou à fé em Cristo, passando a ser membro da igreja no tempo do pastor que me antecedeu. Na altura, dois dos seus filhos também fizeram profissão de fé em Cristo. E desde então ela continua incansável no seu testemunho a familiares e amigos.
Uma das alegrias dos meus primeiros anos de ministério pastoral foi a possibilidade de dirigir pequenas reuniões em lares, na Dagorda de Óbidos e na Lourinhã, em que a principal iniciativa em convidar pessoas para participar era dessa irmã.
O marido era acompanhante nas viagens e, frequentemente, ao passar por algum lugar que lhe chamava a atenção ou trazia recordações, dizia: «lé, lé, pá!». Dizia-o, como é natural, com entoações diferentes, conforme a situação. A esposa era a «tradutora» que percebia se estava a falar sobre primos em segundo grau que não tinham visitado durante 11 anos ... se estava a lembrar um acidente entre um carro e uma motorizada .... ou se era só que achava bonita a cor da tinta de alguma casa! Normalmente, ela sempre chegava a compreender e a interpretar bem... não percebíamos como. Houve só uma situação ou outra em que mesmo ela teve que desistir, para grande frustração dele!
As tentativas de recuperação da fala do nosso amigo, após a sua doença, não tinham dado grandes resultados. Na questão de respeito pela palavra de Deus, e gosto de a ouvir, no entanto, não há dúvida de que deu alguns bons passos em frente.
Houve tempos em que ele teve uma atitude bastante autoritária, apesar das suas limitações.
Houve tempos em que nos surpreendia com uma variação no seu discurso: «lé, lé, pá, caraças!», por exemplo. Mas o Senhor foi fazendo a Sua obra.
Quando cantávamos nas reuniões, a sua capacidade de pronunciar as palavras melhorava. No fim de cada reunião em que ele estivesse presente era obrigatório que cantássemos o coro:
«Em tuas mãos, em tuas mãos, quero, oh Deus, me colocar em tuas mãos.....».
Isto era, segundo contava a sua esposa, com emoção, por causa de um dia em que o marido lhe estava a dizer, com uma ênfase especial: «lé, lé, pá!». Ela teve alguma dificuldade em compreender a razão de tanto entusiasmo. Mas, a seguir, o marido começou a cantar: «Em tuas mãos, em tuas mãos....» E conseguiu chegar ao fim do coro pronunciando bem todas as palavras! No fim disso foram os dois que choraram e agradeceram ao Senhor!
Há uns 5 anos este nosso irmão faleceu. No dia do seu funeral houve oportunidade para a sua esposa explicar bem alto e com toda a convicção, para largas dezenas de assistentes, a maioria de fora do nosso meio, aquilo que o Senhor tinha feito nas suas vidas.
Depois no céu, sem qualquer dúvida, não hão-de faltar palavras!
(mais um «retalho da vida de um pastor» de Alan Pallister)

16 setembro 2009

«EU ACHO QUE PAULO NÃO TINHA RAZÃO QUANDO ACHAVA QUE DEUS ACHAVA QUE ERA DESSA MANEIRA, PORQUE EU ACHO QUE DEUS ACHA QUE É ASSIM....»

De 1971 a 1973 estudei teologia na Faculdade em Cambridge. A abordagem dos professores em geral era liberal: não se considerava o texto bíblico como veículo objectivo da revelação de Deus, nem como última referência em qualquer questão (nem de «fé e prática», nem de qualquer outra). Deus na altura providenciou recursos para me ajudar – teólogos conservadores visitantes, professores mais novos ainda a fazerem os seus doutoramentos, e um leque extraordinário de livros dentro da mesma perspectiva teológica. O resultado foi que eu, e a maior parte dos meus colegas que tinham convicções semelhantes, fomos capazes de enfrentar os desafios e manter-nos numa linha de respeito e submissão às Escrituras como Palavra de Deus.
O que eu não contava era, 20 anos depois, vir pastorear uma pequena igreja baptista em Portugal e encontrar o mesmo tipo de raciocínio liberal em alguns membros da congregação! E estes não tinham os recursos académicos de que os professores de Cambridge dispunham.
Havia na igreja, por exemplo, quem citasse as posições de Paulo ou de João como sendo «opiniões» («os apóstolos achavam....»): e quem assim citava a sua própria opinião («ele achava»), que podia ser diferente e, sendo mais actual, teria até vantagem sobre as dos apóstolos.
Adoptei desde cedo o método expositivo, tratando as passagens dos livros da Bíblia por ordem e tentando não omitir aquilo que podia parecer menos oportuno. Surpreendeu-me agradavelmente o número de ocasiões em que o texto bíblico, previamente escolhido, tinha elementos muito concretos de ensino para as necessidades que a congregação estava a enfrentar. Muitas vezes falava para mim primeiro enquanto me estava a preparar, corrigindo erros e dando melhores orientações para a minha vida.
Algumas vezes podia detectar os pontos de contacto com os problemas da congregação antecipadamente, durante a preparação das mensagens. Mas muitas vezes era só depois de ter pregado que percebia a relevância daquilo que Deus tinha colocado à nossa frente nesse dia. Podia até dar-se o caso de eu pensar que a relevância da passagem tinha a ver com determinadas situações na vida de algumas pessoas – mas, depois, descobrir que de facto estava a falar muito mais para outras, nas quais não tinha pensado.
Não será preciso acrescentar que uma das acusações mais frequentes que tive de enfrentar era a de estar a escolher os temas e direccionar as mensagens para atingir membros da congregação!
Mas, algumas vezes, o tema era, por exemplo, o facto de a salvação ser inteiramente da iniciativa da graça divina, não tendo os nossos méritos e esforços qualquer valor para a obtermos. Tema bastante fundamental no que diz respeito às nossa convicções evangélicas! Só que depois alguém na congregação achava que era muito importante aquilo que nós fazíamos: e que não podíamos atribuir a salvação só a Deus.
Aconteceu mais do que uma vez, depois de eu ter exposto a passagem salientando o seu ponto principal, que o dirigente do culto, antes de anunciar o hino final, em duas ou três frases bem pensadas e elaboradas, contradisse nitidamente o ponto principal da passagem que tinha sido exposta. Mas, como a pessoa estava na liderança da igreja há anos, e eu era novo em comparação, tinha que me calar, não chamando a atenção à congregação para a contradição que lhe tinha sido transmitida!
(6ª postagem na série «Retalhos da Vida de um Pastor», de Alan Pallister)

09 setembro 2009

Justiça e misericórdia.... num blog?

Ao escrever reminiscências, tenho consciência de alguns riscos. Um é descrever, situações que me magoaram bastante na altura, de uma forma que transmita algum tipo de ressentimento contra as pessoas. Mesmo quinze anos depois! Reflectindo sobre este risco, cheguei à conclusão de que posso minimizá-lo se obedecer a algumas regras.

Uma é não descrever episódios de uma forma que implique críticas de qualquer pessoa que ainda faz parte da igreja. A não ser que seja eu essa pessoa! Essas pessoas não são muitas – é verdade. Mas se ainda estão na igreja, depois de tudo o que aconteceu, é porque Deus lhes deu uma persistência e uma paciência extraordinárias. Qualquer crítica pontual teria que ser precedida, antes de mais nada, por um reconhecimento desse facto.

Outra é que estas reflexões sejam ditadas por um espírito de justiça e misericórdia.

Os episódios estão a ser seleccionados com algum cuidado. E, em cada episódio, pode haver alguns aspectos que não partilho com o receio de prejudicar alguém injustamente.

Mesmo assim, é óbvio que pode acontecer algo daquilo que estou a partilhar vir ao conhecimento de alguém que esteve envolvido nos conflitos, que saiu da igreja ou que foi disciplinado. Não receio isto, porque sei que estou a ser justo e sei que o desejo mais profundo que sinto em relação com essa pessoa é que possa reunir as condições para ser reconciliada.

É que acredito de coração na doutrina da perseverança dos santos! Ninguém que de verdade recebeu a salvação, pelos méritos de Cristo na cruz, perderá essa salvação. Deus fará tudo para trazer o Seu «desterrado» de volta (cf. 2 Samuel 14:14).

Não seria gratificante se um simples blog, ou algum comentário feito sobre ele, mesmo que primeiro fizesse doer, se viesse a tornar numa pequena parte deste processo de reconciliação? (A.P.)

06 setembro 2009

O PASTOR COM O CASACO AOS QUADRADOS...

Não, não vou tratar do filme «O Rapaz com o Pijama às Riscas».....
Era mesmo um casaco. Grosso, verde escuro, e com uns quadrados amarelos. Não me lembro se me foi oferecido, ou se o tinha comprado numa loja de roupa em segunda mão («charity shop») em Inglaterra.
Algumas pessoas na congregação, nos domingos de manhã, começaram a distrair-se, dando menos tempo a ouvir o sermão e mais a observar, com atitude crítica, o casaco do pastor. Não ousaram dizer directamente que não gostavam do casaco: mas a notícia chegou até a minha esposa... e não sei a quantas pessoas antes dela!
Até ao dia em que dois irmãos idosos resolveram fazer-me uma surpresa. Um deles nunca veio a ser membro da igreja: mas foi um bom amigo que veio a falecer uns anos depois. Outro ainda era membro de outra igreja: depois mudou para a nossa e ainda é vivo – com 92 anos.
Vieram dizer-me que tinham uma pessoa que estavam a evangelizar: precisavam da minha ajuda para falar com a pessoa. Com todo o cuidado marcaram o lugar e a hora do nosso encontro. Lá cheguei na hora combinada: fomos muito pontuais os três. E, para minha surpresa, estávamos ao pé de uma boa loja de roupas!
Entrámos e contava encontrar, dentro da loja, o amigo que precisava de ser evangelizado. Mas disseram logo que o que queriam realmente era comprar-me um casaco!
Em pouco tempo, apreciando os preços, vimos que um fato seria bastante económico e seria uma melhor opção. Compraram-me um fato bonito e despediram-se: «Até domingo!». Quando é que eu alguma vez, com as limitações financeiras que tinha com a minha família, teria resolvido gastar esse valor na compra de um fato novo?
E outra coisa..... Era na altura, e ainda sou, professor de Ética Cristã no Seminário Baptista. Quando surge o tema das «mentiras piedosas», não costumo dar margem para a mentira ser justificada tendo em vista as boas intenções de quem a profere. Mas nunca ganhei muita coragem para condenar a «mentira» que estes dois irmãos idosos da congregação usaram para me fazer esta preciosa oferta!

31 agosto 2009

Sei lá onde é que ele está!

Esta palavra foi para mim uma das mais tristes que ouvi em anos de ministério pastoral. A incerteza manifestada foi de uma pessoa cujo marido falecera poucos dias antes. Ambos eram idosos e eram membros, baptizados recentemente, da nossa igreja. Um dia fomos visitar o casal. A senhora atendeu e perguntámos pelo marido. Disse-nos que tinha falecido dias antes e que o funeral tinha sido católico.
Tentei conter a tristeza que senti por ela nem sequer nos ter contactado. E disse algumas palavras no sentido de ela ter, da parte do Senhor, a consolação de saber que o seu marido agora estava com Ele. E a sua resposta foi esta: “Sei lá onde é que ele está.....!”.
Dificilmente conseguimos manter a conversa a seguir: tivemos uma vontade enorme de desaparecer logo para podermos chorar, em outro lugar, a falta de convicções ..... de pessoas que diziam ter abraçado a fé evangélica.
Ainda não vivíamos na época das igrejas «grandes», intituladas carismáticas, que, regra geral, não incluem na sua lista de convicções doutrinárias a certeza que o crente pode e deve possuir da sua salvação eterna, a partir do momento em que se arrepende dos seus pecados e aceita Jesus como Salvador e Senhor....
Agora, em retrospectiva, parece-me que, mesmo assim, a nossa igreja tinha estado a «crescer», em parte, com base em pessoas que não compreenderam verdadeiramente a doutrina da salvação. Depois ela não pôde continuar neste processo de «crescimento», porque outros vieram, com aparência de maiores milagres, para pregar a mensagem truncada de «salvação» sem segurança.
Outra senhora recém baptizada, quando a conheci pela primeira vez, apresentou-se como «uma alma salva pelo Pt. X....» Não me atrevi a dizer o óbvio... que teria sido melhor ela ter sido salva por Jesus. Visitámo-la várias vezes, mas para ela igreja sem Pt. X. não era igreja.....

É preciso, obviamente, ter algum cuidado com aquilo que digo aqui. Não estou a afirmar que o meu antecessor, sendo baptista e de convicções doutrinárias conservadoras, tenha pregado a tal doutrina truncada (que depois outras igrejas adoptaram por método). Também não creio que o seu esforço notável na evangelização tenha sido em vão. Pelo menos duas pessoas convertidas nessa altura tornaram-se depois membros dedicados da igreja com uma acção evangelística muito significativa... (apesar de uma delas posteriormente ter sido aliciada para se afastar da igreja). E acredito que haverá muito mais «fruto» genuíno do trabalho do meu colega que se verá no dia do Senhor.
Nem estou a dizer que o nosso trabalho evangelístico tenha sido melhor. Somos bastante menos dotados nessa área e a nossa atenção principal teve que ir para outras áreas. E também terminámos por baptizar algumas pessoas que, posteriormente, vimos que não tinham compreendido bem o significado desse passo..
A minha queixa é mais acerca da maneira como costumamos falar no crescimento numérico da igreja, contabilizando baptismos, e medindo o valor do nosso trabalho desta maneira. Pelo menos deve ser uma preocupação séria, cada vez que ajudamos uma pessoa a dar este passo,... que tenha compreendido bem Quem é o seu Salvador e qual é a salvação que Ele oferece.

27 agosto 2009

Ora são vocês... ora somos nós

O padrão repete-se nos países democráticos: ora P.S. ..... ora P.S.D., ora trabalhistas, ora conservadores. Pode haver uma Thatcher ou um Blair que se mantenham mais algum tempo .... mas chega o dia em que o povo reclama a mudança.
Cedo no meu ministério pastoral tive que considerar a validade deste modelo de poder ...... dentro de uma igreja. Só que com uma diferença. Os dois «partidos» não tinham nomes como os partidos têm: eram blocos familiares que se ocupavam alternadamente do trabalho da Escola Dominical, por exemplo, mas nunca os dois ao mesmo tempo.
O pastor não fazia parte de nenhum destes blocos. Para ele ter sido chamado – também por voto democrático – tinha que, de alguma maneira, ter reunido o acordo dos dois blocos. Ou podia não ter havido grande alternativa ... e era chamado mesmo assim (como pode ter sido o caso comigo!). Depois o pastor tinha que aceitar o modelo do poder alternado, tentando manter um equilíbrio difícil, «deitando água na fervura» nas alturas de maior conflito.
O seu papel também era presidir em reuniões deliberativas, habitualmente tempestuosas. Mas não era ele que dava linhas de orientação – mesmo sobre questões de fundo. Era apenas o «presidente da mesa» (estava obrigado a isso pelos estatutos). Quando muito podia «elaborar propostas» para a Junta Administrativa considerar e era esta que, se concordasse, as apresentava à igreja: só que a Junta tendia a ter elementos de ambos os blocos e dificilmente sairia de um corpo tão anómalo alguma orientação de fundo que tivesse interesse.
Aqueles que pretendiam forçar as suas posições – ou que, sendo criticados, pretendessem defender-se - geralmente faziam-no pedindo demissão das suas funções e voltando depois a elas (para “salvar o barco” em momentos de crise), deixando de dar os seus dízimos durante meses seguidos (para o pastor ter que lhes perguntar qual era o problema) ou deixando mesmo de ser membros da igreja (porque depois, a seguir a uma crise mais profunda que inevitavelmente havia de surgir, podiam voltar).
Quando havia questões delicadas que precisavam de ser votadas nas reuniões de igreja, podia haver um trabalho intensivo, junto aos membros mais moderados ou menos prevenidos, para tentar granjear votos. Assim foi, por exemplo, quando faltava um presidente para a União de Homens (grupo este que não existia de facto – mas como o seu «presidente» tinha assento na Junta, alguém tinha que ser eleito!).
Uma das tónicas no meu ensino, nos primeiros tempos, teve que ser que a igreja é em primeiro lugar uma teocracia, mais do que uma democracia. Por não ter uma natureza autocrática, não tendia, como alguns pastores talvez tendam, a cair no erro de confundir a teocracia com o governo da igreja pelo pastor.
Ensinava o envolvimento de todos os crentes nas decisões da igreja (como parte do seu sacerdócio).
Mas a democracia, nos termos que se pretendiam, não me convencia.....

22 agosto 2009

RETALHOS DA VIDA DE UM PASTOR (1)

Consagrado pastor! Com 40 anos!
Sem dúvida a alegria que senti em 15 de Junho de 1991 foi muito grande... para mim e para a minha esposa e (creio) para os meus filhos.
Não sabia aonde iria ser chamado a servir – mas alguns membros da Igreja de Caldas da Rainha estiveram presentes no culto de consagração em Coimbra. Estavam a precisar de um pastor....
Só que eu tinha feito uma ressalva para mim: que Deus não me chamasse para uma igreja que tivesse um projecto de construção de novo templo....
Por outro lado, eu disse que estava disposto a seguir para onde o Mestre chamasse!
Já vi em vários lugares que o “sentido de humor” de Deus é assim. Quando usamos a palavra “excepto...”, é para essa excepção que Ele tende a levar-nos.
Pensámos bem no significado do nosso compromisso e, apesar do “excepto”, aceitámos o convite que a igreja de Caldas nos dirigiu.

O meu antecessor em Caldas, missionário brasileiro, tinha feito um trabalho esforçado na área da evangelização e também tinha montado uma campanha para o levantamento de fundos para o novo templo, um projecto esplêndido para um espaço que ficava ao pé da Universidade. Inspirada na campanha de Gedeão, em Juizes 6 a 8, era a «Campanha dos 300 Valentes». Como a igreja, na sua lista de membros, tinha menos de 100 membros, a ideia aparentemente era interessar outros – para aumentar a lista dos «valentes» até aos 300. Homens de negócios da cidade, familiares, irmãos de outras igrejas... iriam aumentar as fileiras – até chegarmos aos 300....! E quem sabia se o crescimento numérico da igreja, seguindo no ritmo da altura, não iria em pouco tempo chegar a esse objectivo, mesmo sem contar com os outros?

Só que era uma igreja em que muitas das pessoas não se entendiam. Logo nos primeiros dias recebemos visitas formais de membros, muitas vezes com generosas ofertas de alimentos, mas que em vários casos tinham o objectivo discreto de nos prevenir contra certos outros membros em quem não se podia confiar.... Dentro de pouco tempo, diziam as pessoas em cada grupo, iríamos perceber por quê!

E, nos cultos, muitos dos quase 100 membros já “brilhavam” pela ausência!

Para me sintonizar com o espírito da Campanha dos 300 Valentes, comecei a pregar uma série de mensagens sobre a história de Gedeão. Fiz rapidamente uma descoberta bastante relevante. O número «300» no texto bíblico não é o resultado final de um projecto de crescimento (nem muito menos da integração de outros elementos de boa vontade para aumentar o número do exército de Israel): é o resultado final de um projecto de selecção, sendo escolhidos por Deus apenas aqueles que O amam e servem de coração.

Começámos a pensar: «será que há 30 que reúnem estas condições?»

19 agosto 2009

Fruto


«Cristo ..... a quem anunciamos, admoestando a todo o homem, e ensinando a todo o homem, em toda a sabedoria, para que apresentemos todo o homem perfeito em Jesus Cristo», Col. 1:27-28.



Num domingo de manhã duas estudantes húngaras, a Ester e a Sofia, que não são evangélicas, visitam a igreja baptista em Caldas da Rainha e participam num almoço no «Canto da Rola», mas sem a presença dos responsáveis (Alan e Celeste), uma vez que estes estão em férias. No dia seguinte elas sofrem um acidente de automóvel com o Andrew, com o Artur (marido da organista da igreja) e com a Mattie (filha da organista) a conduzir. O Andrew sofre várias fracturas da bacia, de algumas costelas, da omoplata e da clavícula; a Ester e a Sofia sofrem fracturas da bacia e o Artur das duas pernas. Só a Mattie não tem feridas.

Durante mais de 15 dias, e antes de poderem regressar ao seu país, a Ester e a Sofia recebem visitas diárias no hospital de membros da igreja e de outros amigos. O Artur também recebe. Durante 5 semanas o Andrew, internado no Hospital de Santa Maria, recebe visitas todos os dias sem falhar, de familiares, de crentes residentes em Lisboa e de membros da igreja das Caldas que se deslocam a propósito.

Já há bastante tempo que tenho a impressão que o nosso hábito de avaliar as nossas igrejas quantitativamente (número de membros, número de baptismos celebrados anualmente, etc.) é o resultado de uma obsessão errada. Não será mais importante ainda a marca do cristianismo genuíno que Jesus apontou em João 13:35:

«Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros»?

O amor que a comunidade tem para dar extravasa: não é só para os seus membros. Neste caso duas pessoas estrangeiras que são quase «adoptadas» por uma igreja nem sequer são crentes evangélicos. É este amor que ocupa o primeiro lugar na lista que descreve o fruto do Espírito em Gálatas 5:22.

Quando aos 40 anos fui consagrado pastor, defini sempre como os meus objectivos ensinar e acarinhar a igreja local para que ela desse este fruto. Manifestamente privilegiei o objectivo da qualidade mais do que a da quantidade. A nossa igreja ainda tem muito mais por realizar: mas sinto que está claramente no caminho certo.

Como a igreja nem sempre foi assim, e como o percurso que levou até este ponto foi complicado e (como todas coisas na vida) envolve aspectos tristes e outros cómicos, tive recentemente a ideia de partilhar alguns momentos vividos com os leitores do blogue. Sem dramatizar. E sem que ninguém mencionado seja condenado por aquilo que fez (ou por aquilo que eu, na minha interpretação, julgo que fez!).
Aqueles que não tiverem passado já para a presença do Juíz que sabe todas as coisas (e alguns passaram) naturalmente ainda terão as suas oportunidades para se corrigirem e para crescerem.
Como eu também espero ter!

17 agosto 2009

Muletas

Este blogue não foi concebido essencialmente para tratar de questões de família! Mas a última vez que escrevi foi para descrever um passeio com o Andrew à Ilha da Berlenga. E, depois, o Andrew (como muitos sabem) teve um acidente.... Parece que é um membro da família cuja presença no blogue se está a impor! Ainda por cima, não escrevi durante seis semanas por causa de toda esta situação.

A fotografia em cima é para vos mostrar uma forma de apoio que ele não precisou de usar.

Aproveito primeiro para transmitir desta forma os nossos agradecimentos a Deus pela maneira como preservou o Andrew e mais quatro amigos de consequências mais graves ou permanentes... apesar de quatro do grupo terem sofrido fracturas da bacia e outras fracturas e traumatismos.

E, em segundo lugar, para agradecer a dezenas e dezenas de amigos que visitaram, telefonarem, mandaram E-mails e oraram por ele e por nós. Sei que isto inclui vários que também são leitores do blogue.

Disseram numa altura que era preciso arranjar «muletas axilares» (que não devem ser confundidos com canadianas) para uma fase da sua recuperação. Duas lojas de ortopedia em Caldas – e mais dez em Lisboa..... nenhuma tinha para uma pessoa com 1,93 metros! Cheguei de volta ao Hospital de Santa Maria, cheio de calor e frustrado por não encontrar as muletas ... e o Andrew disse que o tinham aconselhado afinal a não usar!

Agora está em casa e esteve duas vezes na igreja, para o espanto dos irmãos que se tinham empenhado tanto em apoiá-lo (e aos outros). E, para ir até lá, nem sequer precisou de usar uma canadiana!

A história das muletas lembraram-me uma polémica de alguns anos atrás - em Inglaterra. Era hábito dizer que «Deus» era uma «muleta» para pessoas com fraquezas e limitações que não tinham a autonomia suficiente para resolver os seus problemas sozinhos.

Quando surgem experiências como esta que nos aconteceu vejo cada vez mais claramente que Deus é Quem dirige tudo e faz sentido de tudo. É o Soberano que dá a vida, retira-á, poupa a vida de acidentados quando assim entende, de acordo com os Seus propósitos de justiça e amor, usa médicos e fisioterapeutas, opera milagres (com ou sem os recursos médicos), dá ao corpo humano uma capacidade extraordinária de recuperar - e, não menos, dá-nos o apoio uma família extraordinária cristã. Se depender destes factores todos é recorrer a «muletas», não vou fazer de conta que sou forte! É que, dependendo deles, tenho tudo o que preciso para viver!



30 junho 2009

Berlenga e gaivotas



Do «Canto da Rola» até a Ilha da Berlenga leva vinte e cinco minutos de carro e depois quarenta e cinco de barco. Alguns receios de viajar em barcos (relativamente) pequenos fizeram com que a nossa família não se metesse na aventura de uma ida à ilha, durante os 18 anos desde que moramos na zona de Caldas da Rainha.

Mas algum dia tinha que ser! E a altura foi para celebrar o facto de o Andrew recentemente ter feito 24 anos: o nosso dia (ontem) incluiu até uma refeição no restaurante da ilha.

Os abanões no mar foram razoáveis – mas suportáveis. Fomos informados de que há dias muito piores!

As vistas da ilha; do Forte de João Baptista; das grutas e canais; da impressionante fissura central (Carreiro dos Cações); das «Estelas» e «Farilhões» - que dão vontade de fazer ainda mais outras viagens – são espectaculares. A recomendar a sério! As cinco horas, entre a chegada do barco e a sua partida à tarde, chegam muito bem para dar uma volta à Berlenga e a Ilha Velha.

Mas o que talvez tenha impressionado mais – e não num sentido completamente positivo – foram as gaivotas. Praticamente só conhecia esta ave em situações em que ela se sente em minoria. Quando se junta um número delas, numa ilha só, que (imagino) pode ser comparável ao número total de habitantes humanos de Portugal, coexistindo nesse lugar com um número de seres humanos muito reduzidos, a situação é bem diferente! Estender-nos num canto sossegado, para dormir a sesta, por exemplo, torna-se completamente impossível. Em alguns lugares o cheiro do estrume das gaivotas é insuportável, fazendo lembrar capoeiras enormes.

O comportamento extremamente pacífico que eu associava com esta ave afinal é só uma faceta da realidade! Para conhecer outra faceta não encontrei nada melhor do que a seguinte frase da Wikipedia (tradução minha):

«As gaivotas – e especialmente as espécies maiores - são aves expeditas, curiosas e extremamente inteligentes, que demonstram métodos complexos de comunicação e uma estrutura social altamente desenvolvida; por exemplo, muitas colónias de gaivotas manifestam comportamento amotinador, atacando e acossando todo o predador e outros intrusos».

Quando ouvimos primeiro algumas reacções extremamente frenéticas de parte delas, não nos sentimos assustados. O facto é que estávamos a mostrar alguma curiosidade em ver os seus ovos e as gaivotas recém nascidas - e sabemos que o instinto materno pode alterar o humor de qualquer fêmea!

Isto até ao momento em que fui directamente atacado – na cabeça – por uma delas! Não houve consequências de maior – mas, sem dúvida, foi uma lição sobre o comportamento desta espécie, de que não me irei esquecer!

E, embora me sentisse injustiçado (!), tive que reflectir mais uma vez sobre a relação entre o pecado humano e a criação que geme (Romanos 8:22). Lembrei-me de histórias de pescadores que, em lugares assim, estrelavam os ovos das gaivotas – e da falta de escrúpulos de coleccionadores (como eu, na minha infância!) de ovos das aves.

A maldade humana termina por ser muito mais subtil, variável e devastadora do que as reacções de defesa de outras espécies que por vezes nos atingem.

O dia na Berlenga terminou muito bem. O ataque da gaivota foi só um pequeno episódio passageiro – embora para mim uma surpresa estranha.

Gostava de convidar aqueles dos leitores do blogue que percebem mais do que eu de questões de ecologia a reagirem!

02 junho 2009

ÉTICA: (John Rawls, Robert George e os «consensos por sobreposição»).

Um convite para participar num debate na Faculdade de Medicina, orientado por Manuel Rainho e o GBU (na 5ª feira, 28 de Maio), constituiu para mim um grande desafio para me situar em questões éticas na sociedade pluralista em que vivemos. O debate tinha o título «Terá a Ética Contemporânea Pés de Barro?». Participaram também um professor da Faculdade e o nosso bom amigo Joaquim Rogério.
Vou tentar partilhar uma das conclusões da minha participação. John Rawls (professor em Harvard, falecido em 2002), defensor do liberalismo secular, dizia que, mesmo numa época como a nossa, podemos encontrar «consensos por sobreposição».
A sua ideia é mais ou menos assim:
Escreves num círculo os teus princípios éticos. Um marxista faz o mesmo. E um islâmico. E um humanista. Etc. Etc. Em algumas áreas algumas das convicções sobrepõem-se, apesar das diferenças de postura ideológica. Em algumas áreas ainda há consensos entre todos. É dentro destas áreas consensuais que temos que construir a nossa ética social, numa sociedade pluralista, e fundamentar a legislação.
Para Rawls, a pessoa que tem uma convicção ética que sabe que não é consensual tem que a sacrificar, por importante que seja na sua visão pessoal.
Numa obra recente («Choque de Ortodoxias», ed. Tenacitas, 2008) Robert George (professor em Princeton, nascido em 1955), examina vários dilemas éticos actuais. A sua postura é que existem leis naturais, criadas por Deus, que tornam possível argumentar a ética racionalmente, mesmo para pessoas que não partilham a nossa fé. A sua posição chama-se o «jus-naturalismo». Argumenta que há razões racionais para não liberalizar o aborto ou a eutanásia, por exemplo. Não ignora (e defende!) as razões bíblicas, mas acha que, mesmo sem passagens bíblicas, podemos mostrar o erro de quem pretende seguir estas práticas.
Os seus argumentos são concretos e frescos e, na minha opinião, a maior parte deles são perfeitamente aceitáveis.
O que não se consegue – nem na linha de George, nem na do eticista evangélico - é encontrar grandes «consensos por sobreposição» com Rawls, ou o liberalismo secular que ele representa.
Se, por exemplo, o meu entendimento do casamento, influenciado pela tradição judáico-cristã, afirma que é uma instituição inerentemente heterossexual – uma união intrínseca («uma só carne») - posso tentar encontrar uma área de «consenso por sobreposição» com o eticista secular que, entendendo que o casamento é apenas um contrato, com a instrumentalização da actividade sexual, favorece o casamento «gay».

O «consenso» esboroou-se. Só permanece a incompatibilidade.

Sugeri no debate que, na realidade, é a própria tradição judáico-cristã que permite algum tipo de consenso. Com o católico conservador, Robert George, por exemplo, encontro amplas áreas de sobreposição. Com eticistas não-cristãs que partem, subconscientemente, de uma base judáico-cristã, também ainda posso encontrar algumas.
Com os «eticistas» actuais do liberalismo secular, posso encontrar alguns valores residuais comuns (a importância de não mentir, alguns conceitos gerais de justiça social, por exemplo). Mas, quando chego à maior parte das grandes questões que se debatem hoje, verifico que já não há consenso possível.
Só que, com base na Bíblia e na razão, e com a ajuda de eticistas de valor como Robert George, ainda acho que tenho bases melhores e mais racionais para defender as minhas convicções éticas do que têm o liberalismo secular!

26 maio 2009

O tacto - e a vida genuína

No campo dos meus relacionamentos o tacto é uma virtude que prezo bastante. Sei perfeitamente que, quando preciso de dizer algo que pode parecer duro, há “maneiras e maneiras” de abordar o assunto. Posso conseguir fazer chegar essa mensagem de uma forma delicada e sem ofensa. E posso, até, transmitir algo que em si não tem ofensa nenhuma mas, pela maneira infeliz como o digo, magoar a pessoa.

Não recomendo que deixemos de procurar ser sempre pessoas de tacto.

Mas, em João 5:40-47, há uma passagem curiosa que mostra o outro lado desta questão. É que, na perspectiva de Jesus, há pessoas que primam de tal maneira pelo tacto que deixam de dizer – e até mesmo de acreditar – naquilo que é essencial. Jesus contrasta a sua própria postura («Eu não recebo glória dos homens») com a dos judeus que o estão a perseguir («Como podeis vós crer, recebendo honra uns dos outros, e não buscando a honra que vem só de Deus?»).

Na sociedade humana temos uma tendência de pautar as nossas acções por aquilo que o outro pode pensar. Há pessoas que, sendo convidadas para assistir a um culto evangélico, aceitam só se for em outra terra sem ser a sua, «por causa daquilo que os outros podem dizer». Quando, como crentes, temos uma crítica construtiva a apresentar a alguém – e a frontalidade exige que não deixemos de o fazer – muitas vezes falhamos, «porque os outros podem não achar bem».

Nas suas mensagens o pastor tem que ensinar, com base na Palavra de Deus, aquilo que as pessoas precisam de ouvir. Mas, em certos meios, ai dele se disser algo demasiado específico e algum irmão o entender como crítica directa. Já ouvi dizer, com um certo humor, que pregar a uma congregação é encarado como atirar frechas – mas sempre com o cuidado de errar ligeiramente o alvo. Se atingirmos mesmo o alvo, alguém vai-se sentir magoado e vai tomar medidas para deixar de nos ouvir – ou, o que é pior, para nos retirar a oportunidade de pregar! Mas lembremo-nos que a palavra grega traduzida por «pecado» no Novo Testamento tem exactamente este sentido de «errar o alvo». Onde é que isto coloca o pregador que é sempre tão cuidadoso?

No meio cristão, agir para receber “honra uns dos outros” é uma autêntica armadilha. Quantas reuniões e conversas se realizam para esclarecer outros irmãos sobre qual era realmente a nossa intenção ao agirmos como agimos? Vamos esclarecer para uns e depois - como há outros crentes cuja maneira de pensar é bastante diferente – a nossa primeira reunião exige uma segunda para esclarecer aquilo que estes outros podem ter ouvido que dissemos aos primeiros! E assim sucessivamente. Não estou a dizer que não possa, por vezes, ser necessário termos estes cuidados. Mas chega o momento, acho eu, em que devemos ter a coragem de assumir as nossas convicções – diante de Deus – e seguir com o curso de acção que em convicção consideramos que está certo, independentemente daquilo que os outros podem pensar.

Se não tivermos esta coragem, dificilmente poderá ser considerado que estamos a viver uma vida «genuína». Às vezes as decisões e actos que são precisos para vivermos esta vida genuína são justificados só diante de Deus. E a nossa tendência é multiplicarmos conversas e reuniões que têm essencialmente o propósito de nos justificarmos a nós mesmos – quando Aquele que nos justifica é o nosso Deus.

Quando a opinião pública prevalecente, dentro ou fora de uma igreja evangélica, está construída de tal forma que a verdade de Deus sobre alguns assuntos de primeira importância não pode ser dita, a procura de “louros” humanos elimina completamente a possibilidade de recebermos “louros” de parte de Deus. Jesus, em João 5:44, pergunta aos seus críticos entre os judeus se alguma vez podem crer, quando mantêm sempre em primeiro lugar esta preocupação.

E eu pergunto-me se uma igreja, que tem o nome de «evangélica», não deixará de o ser quando já não ensina aquilo que a Bíblia diz, por causa daquilo que os homens – os seus membros ou outros – possam pensar.























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12 maio 2009

FUNERAIS

O silêncio do blogue durante mês e meio deve-se, essencialmente, a uma série de funerais que, como sempre, interromperam as nossas actividades e nos envolveram de uma forma intensa com algumas das famílias enlutadas. Seis – num período de sete semanas. Três de pessoas da nossa igreja – e um de uma pessoa de família, o meu sogro.
Em todos os casos foram pessoas cujo testemunho de vida cristã foi convincente – o que permitiu manifestar a nossa convicção de que estão na presença do Senhor e aguardam o dia da Ressurreição, para reinarem em novos céus e nova terra. Só houve um caso em que a pessoa que faleceu não tinha atingido uma idade bastante avançada.

Impressionou-me haver umas centenas de pessoas presentes (em total) nestas ocasiões .... pessoas que assim fizeram uma pausa na sua rotina diária. O que pensará, nestas alturas, uma pessoa que não tem convicções claras acerca da vida além da morte? Será que aquilo que costumamos dizer nestas ocasiões é o suficiente para a pessoa, de uma forma esclarecida, poder vir a conhecer Cristo – na altura ou algum tempo depois?

Surgiu na minha mente uma crítica – espero que seja construtiva – da nossa maneira de estar e de falar, como evangélicos, nestas ocasiões. Num dos funerais o marido da falecida, que também dirigiu o funeral(!), manifestou a sua vontade de que outras pessoas falassem, mas não tanto acerca da sua esposa – dela já se tinha falado – como acerca de Jesus. E deu-lhes essa oportunidade. Mas, mesmo assim, os que falaram disseram mais acerca da falecida do que acerca de Jesus!

Precisamos de ajudar as pessoas não-cristãs (ou superficialmente «cristãs»), que nos acompanham nos funerais, a perceber a diferença que existe entre a esperança do cristão fundamentada na Bíblia – a salvação pela graça – e a esperança vaga que outras pessoas querem cultivar de a pessoa, por ter muitos méritos, ter ganho um lugar junto a Deus. Mas, normalmente somos muito pouco explícitos! Normalmente não anunciamos aos descrentes presentes que, independentemente dos seus méritos e esforços, o que os espera, se não aceitarem Cristo, é uma eternidade fora da presença de Deus. E assim não estendemos um convite para receberem a salvação pela graça, que é dada só e exclusivamente com base nos méritos de Jesus que morreu por nós. Coisas que costumamos dizer, talvez, nos nossos cultos evangelísticos na igreja, onde pode haver poucos descrentes presentes, não nos atrevemos a dizer nos funerais, onde normalmente há muitos!

No funeral do meu sogro, tive o privilégio de pregar (lutando bastante para dominar as minhas emoções), e resolvi falar claramente sobre estes assuntos tão básicos. Disse que acreditava que a morte dele poderia ser uma altura de novos frutos para o Reino de Deus. Para nossa alegria, soubemos depois que uma pessoa (que até hoje não conhecemos pessoalmente) se tinha convertido nessa ocasião!

Mais uma razão para me sentir muito pequeno - mas para sentir, ao mesmo tempo, que estou ao serviço de um Deus muito grande

11 abril 2009

Tomé e o peixe de aquário (um pensamento para o Domingo de Páscoa).

Já ouvi censurar Tomé severamente por ser um homem de dúvida. Mas, mais frequentemente, ouvi elogios ao seu realismo e empirismo: «é corajoso, não se deixa convencer pelo que os outros dizem, quer ter provas, quer pôr a sua mão nas feridas de Jesus, etc.....»
Será que esta atitude de Tomé é realmente louvável? No mundo do empirismo, na tradição do iluminismo, nós sabemos que a dúvida metódica foi transformada num tipo de virtude. No mundo em que eu cresci, quem seguisse só o método científico – quem rejeitasse ou, no mínimo, desconfiasse, de mitos, milagres e do sobrenatural - era elogiado pela sua coragem e honestidade.
Hoje, desconfio que este racionalismo tem qualquer coisa em comum com o peixe no aquário que não consegue crer que exista o mundo fora do aquário, apesar de receber daí o benefício de ser alimentado todos os dias. Poderia ser considerado um modelo de «coragem» - mas, mais provavelmente, deveria ser considerado o protótipo da mente fechada.
John Frye, autor de «Jesus the Pastor» e «Out of Print», diz que é colocar a mente humana como o árbitro de toda a verdade que nos transformou todos em anões. A realidade é demasiado vasta para vestir «só uma bata de laboratório». Diz que a evidência pode ser utilizada algumas vezes como “servo da fé”. Nunca é o “senhor da fé”. Jesus é Senhor da fé e da evidência.
Por isso as palavras de Jesus a Tomé, no texto familiar de João 20:29, em rigor não são nem uma crítica nem um elogio. Jesus não diz: «Gostei da tua honestidade e do teu rigor, Tomé: os teus colegas foram um pouco crédulos a mais». Refere que haverá muitos (e, se somos crentes fazemos parte deste número) que crerão sem terem visto. Refere que estes serão abençoados. Afinal não são estas as pessoas que se abriram para que o Senhor de todo o universo (Senhor da fé e da evidência) as convencesse? Não são os peixes no aquário que, desde o princípio, admitiram que o mundo fora – que não podiam palpar nem ver – deveria existir de facto, sendo evidência disso, no mínimo, os alimentos que recebiam cada dia?
É por isso – e por inumeráveis confirmações posteriores – que não me sinto nem ingénuo nem crédulo quando proclamo com convicção, especialmente no domingo de Páscoa:
«Jesus Cristo ressurgiu!»

08 abril 2009

«Sexta-feira Santa»

Aqui vai um pequeno extracto de um artigo extraordinário, que pode ajudar a viver de uma forma mais genuína aquilo que a chamada «Sexta-Feira Santa» evoca. Encontrei-o no material de «Arauto da Sua Vinda», uma publicação traduzida do inglês «Herald of His Coming», mas que pode muito facilmente ser localizada e apreciada pela Internet, na sua tradução portuguesa.Também é fácil pesquisar a obra de São João da Cruz!


«Levar a sério a Disciplina da solitude significará que em algum ponto ou pontos no curso da peregrinação entraremos no que S. João da Cruz vividamente descreveu como “a noite escura da alma”. A “noite escura” para a qual ele nos chama não é algo mau ou destrutivo. Pelo contrário, é uma experiência a ser recebida com agrado do mesmo modo que uma pessoa enferma receberia com agrada uma cirurgia que promete saúde e bem-estar. A finalidade da escuridão não é castigar-nos ou afligir-nos. É libertar-nos.
Que significa entrar na noite escura da alma? Pode ser um senso de aridez, de depressão, até mesmo o de sentir-se perdido. Ela nos despoja de dependência excessiva à vida emocional. A noção, tantas vezes ouvida hoje, de que tais experiências podem ser evitadas e que devíamos viver em paz e conforto, alegria e celebração, só revela o fato de que muito da experiência contemporânea não passa de sentimentalismo superficial.
A noite escura é um dos meios de Deus levar-nos à tranqüilidade, à calma, de modo que ele possa operar a transformação interior da alma».