12 maio 2009

FUNERAIS

O silêncio do blogue durante mês e meio deve-se, essencialmente, a uma série de funerais que, como sempre, interromperam as nossas actividades e nos envolveram de uma forma intensa com algumas das famílias enlutadas. Seis – num período de sete semanas. Três de pessoas da nossa igreja – e um de uma pessoa de família, o meu sogro.
Em todos os casos foram pessoas cujo testemunho de vida cristã foi convincente – o que permitiu manifestar a nossa convicção de que estão na presença do Senhor e aguardam o dia da Ressurreição, para reinarem em novos céus e nova terra. Só houve um caso em que a pessoa que faleceu não tinha atingido uma idade bastante avançada.

Impressionou-me haver umas centenas de pessoas presentes (em total) nestas ocasiões .... pessoas que assim fizeram uma pausa na sua rotina diária. O que pensará, nestas alturas, uma pessoa que não tem convicções claras acerca da vida além da morte? Será que aquilo que costumamos dizer nestas ocasiões é o suficiente para a pessoa, de uma forma esclarecida, poder vir a conhecer Cristo – na altura ou algum tempo depois?

Surgiu na minha mente uma crítica – espero que seja construtiva – da nossa maneira de estar e de falar, como evangélicos, nestas ocasiões. Num dos funerais o marido da falecida, que também dirigiu o funeral(!), manifestou a sua vontade de que outras pessoas falassem, mas não tanto acerca da sua esposa – dela já se tinha falado – como acerca de Jesus. E deu-lhes essa oportunidade. Mas, mesmo assim, os que falaram disseram mais acerca da falecida do que acerca de Jesus!

Precisamos de ajudar as pessoas não-cristãs (ou superficialmente «cristãs»), que nos acompanham nos funerais, a perceber a diferença que existe entre a esperança do cristão fundamentada na Bíblia – a salvação pela graça – e a esperança vaga que outras pessoas querem cultivar de a pessoa, por ter muitos méritos, ter ganho um lugar junto a Deus. Mas, normalmente somos muito pouco explícitos! Normalmente não anunciamos aos descrentes presentes que, independentemente dos seus méritos e esforços, o que os espera, se não aceitarem Cristo, é uma eternidade fora da presença de Deus. E assim não estendemos um convite para receberem a salvação pela graça, que é dada só e exclusivamente com base nos méritos de Jesus que morreu por nós. Coisas que costumamos dizer, talvez, nos nossos cultos evangelísticos na igreja, onde pode haver poucos descrentes presentes, não nos atrevemos a dizer nos funerais, onde normalmente há muitos!

No funeral do meu sogro, tive o privilégio de pregar (lutando bastante para dominar as minhas emoções), e resolvi falar claramente sobre estes assuntos tão básicos. Disse que acreditava que a morte dele poderia ser uma altura de novos frutos para o Reino de Deus. Para nossa alegria, soubemos depois que uma pessoa (que até hoje não conhecemos pessoalmente) se tinha convertido nessa ocasião!

Mais uma razão para me sentir muito pequeno - mas para sentir, ao mesmo tempo, que estou ao serviço de um Deus muito grande

11 abril 2009

Tomé e o peixe de aquário (um pensamento para o Domingo de Páscoa).

Já ouvi censurar Tomé severamente por ser um homem de dúvida. Mas, mais frequentemente, ouvi elogios ao seu realismo e empirismo: «é corajoso, não se deixa convencer pelo que os outros dizem, quer ter provas, quer pôr a sua mão nas feridas de Jesus, etc.....»
Será que esta atitude de Tomé é realmente louvável? No mundo do empirismo, na tradição do iluminismo, nós sabemos que a dúvida metódica foi transformada num tipo de virtude. No mundo em que eu cresci, quem seguisse só o método científico – quem rejeitasse ou, no mínimo, desconfiasse, de mitos, milagres e do sobrenatural - era elogiado pela sua coragem e honestidade.
Hoje, desconfio que este racionalismo tem qualquer coisa em comum com o peixe no aquário que não consegue crer que exista o mundo fora do aquário, apesar de receber daí o benefício de ser alimentado todos os dias. Poderia ser considerado um modelo de «coragem» - mas, mais provavelmente, deveria ser considerado o protótipo da mente fechada.
John Frye, autor de «Jesus the Pastor» e «Out of Print», diz que é colocar a mente humana como o árbitro de toda a verdade que nos transformou todos em anões. A realidade é demasiado vasta para vestir «só uma bata de laboratório». Diz que a evidência pode ser utilizada algumas vezes como “servo da fé”. Nunca é o “senhor da fé”. Jesus é Senhor da fé e da evidência.
Por isso as palavras de Jesus a Tomé, no texto familiar de João 20:29, em rigor não são nem uma crítica nem um elogio. Jesus não diz: «Gostei da tua honestidade e do teu rigor, Tomé: os teus colegas foram um pouco crédulos a mais». Refere que haverá muitos (e, se somos crentes fazemos parte deste número) que crerão sem terem visto. Refere que estes serão abençoados. Afinal não são estas as pessoas que se abriram para que o Senhor de todo o universo (Senhor da fé e da evidência) as convencesse? Não são os peixes no aquário que, desde o princípio, admitiram que o mundo fora – que não podiam palpar nem ver – deveria existir de facto, sendo evidência disso, no mínimo, os alimentos que recebiam cada dia?
É por isso – e por inumeráveis confirmações posteriores – que não me sinto nem ingénuo nem crédulo quando proclamo com convicção, especialmente no domingo de Páscoa:
«Jesus Cristo ressurgiu!»

08 abril 2009

«Sexta-feira Santa»

Aqui vai um pequeno extracto de um artigo extraordinário, que pode ajudar a viver de uma forma mais genuína aquilo que a chamada «Sexta-Feira Santa» evoca. Encontrei-o no material de «Arauto da Sua Vinda», uma publicação traduzida do inglês «Herald of His Coming», mas que pode muito facilmente ser localizada e apreciada pela Internet, na sua tradução portuguesa.Também é fácil pesquisar a obra de São João da Cruz!


«Levar a sério a Disciplina da solitude significará que em algum ponto ou pontos no curso da peregrinação entraremos no que S. João da Cruz vividamente descreveu como “a noite escura da alma”. A “noite escura” para a qual ele nos chama não é algo mau ou destrutivo. Pelo contrário, é uma experiência a ser recebida com agrado do mesmo modo que uma pessoa enferma receberia com agrada uma cirurgia que promete saúde e bem-estar. A finalidade da escuridão não é castigar-nos ou afligir-nos. É libertar-nos.
Que significa entrar na noite escura da alma? Pode ser um senso de aridez, de depressão, até mesmo o de sentir-se perdido. Ela nos despoja de dependência excessiva à vida emocional. A noção, tantas vezes ouvida hoje, de que tais experiências podem ser evitadas e que devíamos viver em paz e conforto, alegria e celebração, só revela o fato de que muito da experiência contemporânea não passa de sentimentalismo superficial.
A noite escura é um dos meios de Deus levar-nos à tranqüilidade, à calma, de modo que ele possa operar a transformação interior da alma».

24 março 2009

Eu Virtual


Eu virtual - palestra interactiva no Canto da Rola


Sábado, 28 de Março

16h30



John Beswick Pallister
(assessor do GBU)


O virtual rodeia-nos. O virtual faz parte de nós. Será que é real ou não? Algumas vantagens são evidentes; alguns perigos também. Mas como é que a nossa fé se relaciona com um mundo tão volátil?

No post anterior sobre esta palestra, citei a história de um rapaz que ficou assustado com a sua experiência. Aqui vai a continuação (não é indispensável ler a primeira parte).
"Bom, não vou dizer como é que descobri, mas passado algum tempo sentia que havia algo estranho, comecei a ficar um pouco desconfiado, mas odiava-me a mim mesmo por ter dúvidas mas elas estavam lá na mesma. Então investiguei, não só o 'Paul' não tinha morrido, ele nunca tinha sequer existido. o 'Dave' e o 'Paul' eram uma só e a mesma pessoa (...). O Dave tinha gastado bastante tempo e esforço a desenvolver estas duas personagens, um seguro de si e extrovertido, o outro tímido e inseguro. (...) Se as pessoas pudessem perceber como eu era 'íntimo' deles, que bons amigos nos tínhamos tornado, talvez compreendas então porque é que isto foi tão doloroso para mim. Onde quero chegar é que devemos ter cuidado em quem é que confiamos na net, as únicas amizades genuínas que podes ter a certeza que são genuínas são as que também acontecem no 'mundo real'. (...) Não me passa pela cabeça que NINGUÉM é genuíno na net mas sê cuidadoso porque nunca sabes mesmo com quem é que estás a 'falar'."

Então, real ou virtual?

No Sábado, o encontro não é virtual.

16 março 2009

Joab: o fracasso de um «super-dotado».

Todos temos visto «super-dotados» a surgirem entre nós. Em alguma área percebem mais do que os outros. Pode ser na matemática ou nas línguas; na filosofia ou na música; podem ter alguns retalhos de «cultura geral». Podem até ser estrategas militares, como Joab - mas hoje já há menos tendência para isso!

Estes «super-dotados» costumam ser uma presença crítica em todos os momentos. Temo-los visto nas classes da Escola Dominical, por exemplo. Quando se está a falar nos assuntos básicos da fé, ficam «enjoados»: mas, quando se fala sobre temas da actualidade, acham que a conversa é pouco actual ou científica. Interiormente ressentem furiosamente qualquer tentativa de um professor ou pastor querer saber como é que vai a sua relação com Deus – mas têm bastante jeito para usar ironias que permitem fugirem ao incómodo do desafio.

Muitas igrejas evangélicas não conseguem lidar com o embaraço da presença de elementos que se consideram, ou são considerados «super-dotados».Provavelmente a melhor lição que alguém poderia dar a estes seria mostrar com argumentos sólidos que são bastante «infra-dotados» em alguma outra área, sem ser naquela da sua especialidade! Mas normalmente ninguém tem coragem para lhes dar uma lição destas...

Joab é uma pessoa desse tipo. Como chefe do exército, tem um currículo impressionante de sucessos brilhantes. Às vezes tem também a lucidez e a coragem para repreender, e com razão, o próprio rei David: considera 2 Sam. 19:5-7, por exemplo. É ele que consegue o que parece impossível – a reconciliação do rei com o seu filho, Absalão.

Mas reconcilia o filho com o pai - e depois termina por matar o filho! Quando David manda a todos terem misericórdia de Absalão mas este fica pendurado pelo seu cabelo num carvalho, Joab é quem o mata a traição. E, como em última análise gosta mais de si próprio do que do rei, ou mesmo de Deus, ocupa os seus últimos dias num complot, ao lado de Adonias, contra David e Salomão (cf. 1 Reis 2).

Termino com uma observação traduzida da «Life Application Bible», que me parece dizer quase tudo:
«A vida de Joab ilustra os resultados desastrosos de não termos nenhuma fonte de direcção fora de nós próprios. O génio e o poder são auto-destrutivos sem a orientação de Deus. Só Deus nos pode dar a direcção que precisamos. Por essa razão, Ele tornou disponível a Sua Palavra, a Bíblia, e está disposto a estar presente pessoalmente na vida daqueles que admitem a sua necessidade dEle».

Aqui, na minha opinião, foi dito quase tudo. Diria que o crente, e de maneira especial aquele que tem dons excepcionais em alguma área, precisa de ter um mentor espiritual também. Uma pessoa que tenha a paciência para o ouvir quando está a falar acerca do que percebe e que tenha a frontalidade para o repreender muito directamente quando está a tentar ser a sua própria «fonte de direcção». Sobretudo quando ele quer falar acerca de coisas que percebe pouco – mas que podem ser na realidade as mais importantes da vida.

Para os «super-dotados» que têm um mentor assim, torno-me mais optimista!

04 março 2009

Eu virtual - mais uma palestra no Canto da Rola



O 'chavalinho' no barril é real ou virtual?


Eu nunca fiz uma declaração de IRS em papel - foi sempre pela internet. Mas no ano passado aconteceu algo ainda mais interessante: recebi o reembolso por transferência bancária e descobri na internet, no site do meu banco.
(Só mais tarde é que recebi uma carta de papel com os detalhes.)

As minhas declarações de IRS e o reembolso são reais ou virtuais?


"Fiquei bastante amigo de dois rapazes [que conheci na internet]. Ajudei-os a ultrapassar alguns problemas, e vice-versa. Na altura do natal, fui à net para desejar bom natal ao pessoal, tinha uma mensagem do Dave, que me disse que o Paul tinha morrido num acidente de carro. ele estava de rastos. eu também, chorei durante dias, se já tiveste uma relação ‘próxima’ com um amigo na net sabes como é que é ouvir notícias assim pode doer que se farta. Passei as semanas seguinte a tentar confortar o Dave, dando o melhor para ser um amigo para ele enquanto ele sofria tanto." (2003)

Este sofrimento é real ou virtual?




As coisas parvas que se fazem na internet... Mas aquele grito é real ou virtual?



Estas e outras perguntas vão ser debatidas na seguinte palestra:


Eu Virtual

Sábado, 28 de Março

16h30

John Beswick Pallister
(assessor do GBU)

28 fevereiro 2009

O SENHOR LHE DISSE: «AMALDIÇOA A DAVID....»

Depois do «presente envenenado», David apanha pedras (ver 2 Samuel 16:5-14). Poder-se-ia considerar a questão de qual destas duas «ofertas» é pior.
O atirador das pedras, Simei, afirma que Deus está a dar a David a paga do sangue da casa de Saúl que derramou. Com alguma justiça Abisai, amigo do rei, diz que é um «cão morto» e que a melhor solução será tirar-lhe a cabeça. Ao lermos isto tendemos a concordar com Abisai.
Uma coisa está certa: não é verdade que Deus esteja a usar Absalão para que o sangue da casa de Saúl seja vingado. Foi Deus que outrora dirigiu David, por diversos métodos, alguns deles muito pacíficos, a atingir essa vitória. Então, será que David agora está a ser vítima de um falso sentimento de culpa? Qualquer «conselheiro espiritual» bem-intencionado nos nossos dias tentaria livrar David desta ideia de que é Deus que está a falar por meio de Simei. Tentaria que ele ganhasse um sentido de proporção e auto-estima e que se livrasse da doutrina de que pode ser Deus que manda e usa as pessoas que são cruéis e injustas.
Mas aqui convém voltar-mos ao conceito bíblico da soberania de Deus. José, por exemplo, disse aos seus irmãos que não foram eles que o mandaram para o Egipto senão Deus (Gén. 45:8). Quando David depois peca, fazendo um censo do povo, um dos textos diz que foi Deus que lhe pôs a ideia na cabeça (2 Samuel 24:1), aparentemente contradizendo a versão de 1 Crónicas 21:1 que diz que foi Satanás. Amós depois diz: «Sucederá qualquer mal à cidade, e o Senhor não o terá feito?» (Amós 3:6). Satanás age para confundir e destruir. Deus, operando nos mesmos actos, age para testar, castigar ou purificar: as Suas intenções estando sempre de acordo com o Seu carácter justo e bom. Vejamos novamente Romanos 8:28!
Mesmo quando as pedras e os insultos de algum «Simei» blasfemo estão a cair sobre nós!
E o mesmo Deus que soberanamente dirige estas circunstâncias é Quem, pela Sua graça, pode olhar para a nossa miséria e pagar com bem a maldição que, em alguns momentos, deixa cair sobre nós.

21 fevereiro 2009

2 jumentos... 200 pães... 100 cachos de passas... 100 frutas de verão ... 1 odre de vinho.

2 Samuel 16:1-4.

Quem está a fugir, e numa viagem bem árdua que passa por cima de um monte, pode achar que um presente deste tipo vem mesmo a propósito!

Mas há presentes e presentes. Vieram-me à mente quatro tipos de presentes, no mínimo, e a mensagem que cada um pretende transmitir. Todos eles são símbolos. Em escala descendente, as suas mensagens são assim:
Presente tipo (1) diz: «Eu gosto de ti».
(2) diz: «Eu queria conhecer-te melhor».
(3) diz: «Eu quero que também me dês alguma coisa».
(4) diz: «Eu quero pôr-te do meu lado numa disputa em que estou envolvido».

Vivemos numa cultura em que é bem conhecido o fenómeno da corrupção. O presente (3) e o (4) incluem-se nesta categoria. Provérbios 17:23 diz: «O ímpio tira o presente do seio, para perverter as veredas da justiça».
Quando Ziba, o servo de Mefiboseth (filho adoptivo de David) aparece, perto do cume do Monte das Oliveiras, com essas iguarias todas para o rei e os seus acompanhantes, o momento é muitíssimo bem escolhido. Mas..... Ziba também faz queixa do seu senhor e atribui-lhe falsamente a intenção de ter ficado em Jerusalém para vir a ser rei. Estamos claramente no terreno do (3) e do (4)! Trata-se mesmo de um «presente envenenado».

E David exausto, e com o discernimento e capacidade crítica muito reduzidos, deixa-se enganar.

No ministério pastoral, já recebemos «presentes» que, pelo menos avaliados a posteriori, parecem ter tido intenções do tipo (3) e (4). Isso podemos nem sempre conseguir evitar... podemos vir a perceber a verdadeira intenção só depois. Mas, se percebemos na altura, devemos recusar-nos a aceitar.

O mais importante que temos que cuidar é a análise dos nossos motivos em dar prendas aos outros - e mantermo-nos sempre claramente dentro dos parámetros do (1) ou do (2).

17 fevereiro 2009

Ainda sobre o «se»....

Só me lembrei depois de ter escrito ontem que o «se» nesta passagem de 2 Samuel, que expressa a confiança e não a dúvida, tem um paralelo importante no Novo Testamento:
«Se Deus é por nós, quem será contra nós?» (Romanos 8:31)!

16 fevereiro 2009

Se......

Se.... (2 Samuel 15:25).

O rei e o povo estão de fugida de Jerusalém e passam o ribeiro do Cedron. A seguir, descalços e com a cabeça coberta, sobem o monte das Oliveiras a chorar amargamente. Tudo parece indicar que Absalão ganhou.
Séculos mais tarde o descendente de David, Jesus o Messias, iria parar no mesmo monte e desatar a chorar sobre esta mesma cidade que, no Seu tempo, O rejeitou (ver Lucas 3:28-29).
Abalados pelos problemas do nosso tempo – a crise financeira, a crise da incompreensão ou da rejeição – há líderes e membros experientes das comunidades da fé que estão hoje a perder tudo o que aparentemente tinham de seguro. Sentem-se, naturalmente, perto de David e Jesus, na encosta desse monte.
Mas.... há neste versículo uma partícula: «se».... Numa cultura como a portuguesa, tingida pelo fatalismo, o «se» muitas vezes tem a ver com o especulativo e altamente improvável (se a crise financeira mundial se resolver..... se uma tia rica morrer e me deixar uma boa herança.... se ganhar a lotaria....). Equivale quase ao desespero.
Mas não é assim com o «se» de David. «Se....achar graça nos olhos do Senhor». Dizer «se» pode ser apenas a indicação de que estamos a abandonar definitivamente toda a esperança que tínhamos em nós próprios e estamos, ao mesmo tempo, a afirmar a dependência real do Senhor que já no passado Se manifestou claramente nas nossas vidas. Podemos estar de facto a afirmar que estamos inseridos numa história escrita por Aquele que tem a última palavra sobre todos os acontecimentos. É Ele que dita todos os passos que necessários para lá chegarmos, passando por muitos caminhos que podem parecer ser de derrota total.
David naturalmente se sente cansado e frustrado. Sente o peso e os traumas incuráveis de erros passados .. traumas estes que subsistem apesar do facto de ter sido perdoado. Mas manda a arca a Jerusalém, porque acredita que Deus o vai fazer voltar até lá. Depois, em bastante menos tempo do que pareceria razoável ou mesmo possível, é exactamente isso que Deus faz.
Quando o «se» significa que recordamos o que Deus fez em nós e por nós pela Sua graça, e voltamos a firmar a nossa confiança de que Ele não muda, esta partícula, em vez de expressar esperanças incertas ou utópicas, pode introduzir os mais espantosos relatos de vitória!

Obrigado, Nuno Calaim, por teres escrito de Moçambique a dar um estímulo e uma palavra de ânimo. Vou tentar corresponder!

06 fevereiro 2009

Uma festa de tosquiadores..... e a teoria da «tábula rasa».

Já em 27 Janeiro falei de Absalão. E agora (4 Fev.) retomei o assunto e disse que ia seguir. Acho que interessa voltar um pouco ao princípio.. e estender isto durante algum tempo.
O conhecido conselheiro familiar, James Dobson, no seu livro «Solid Answers», ed. Tyndale, 1997, critica a ideia de que a personalidade humana é fruto do que a sociedade e o ambiente escrevem na «tábula rasa» que é cada bebé que chega ao mundo. A ideia vem de Locke e Rousseau.
Nas minhas primeiras leituras acerca de Absalão, era bastante influenciado por esta ideia. Tendia a culpar os efeitos dos erros de David, o pai por tudo aquilo que o filho revoltoso faz de errado. A revolta de Absalão não surge do facto de David não ter conseguido disciplinar Amnon, o meio-irmão que violou e depois rejeitou a sua irmã Tamar (ler 2 Samuel 13)? E, dando um passo mais para trás, Amnon não esteve apenas a copiar o modelo que David dera quando adulterara com Batseba?
Se fizermos uma leitura deste tipo, podemos chegar ao ponto de querer admirar Absalão por conseguir fazer aquilo que David não tem coragem para fazer – ter uma «mão firme», fazendo Amnon sofrer por aquilo que este fez sofrer à sua irmã. E, se acharmos que «os fins justificam os meios», podemos querer perdoar as artimanhas de Absalão (o facto de dar esta punição na altura de uma festa de tosquia, em que prepara tudo para Amnon ser morto num momento de embriaguez).
Mas, depois de chegar a este ponto, percebi que a própria Bíblia não pretende que se leia o relato de Absalão só desta maneira. É verdade que mostra, de uma forma brilhante, a relação que existe entre os pecados dos pais e os dos filhos. Mas não justifica os erros dos filhos desta forma.
Acredito firmemente que a doutrina bíblica e histórica do «pecado original» dá uma explicação mais satisfatória do comportamento humano do que a teoria da «tábula rasa».
Se creio que sou «tábula rasa», posso culpar os meus pais ou a sociedade por tudo o que faço de errado. Se creio no pecado original, sou obrigado a dizer que sou eu o culpado. David depois diz (Salmos 51:3-4) que é responsável por aquilo que fez e, sem considerar que assim entra em contradicção, que nasceu em pecado. Toda a evidência é que Absalão, por contraste com o pai, nunca chega à lucidez e ao arrependimento a que seu pai chegou.
Absalão não é só, nem principalmente, o que David ou a sociedade faz dele. É, e no último dia será, julgado pelas suas próprias atitudes e actos, que nascem dos recantos escuros do seu próprio coração.

04 fevereiro 2009

«PROVAVELMENTE...... não tens quem te ouça da parte do rei....»

Os cartazes afixados em Janeiro nos autocarros de Londres evocam as provocações de Absalão. Só que o «provavelmente» é um acrescento meu às palavras do filho-revolucionário do rei David (ver 2 Samuel 15:3).

A Associação Humanista da Grã Bretanha – com o apoio do cientista Richard Dawkins – parte da base de que Deus não existe («provavelmente!») para uma «generosa» autorização às pessoas para elas desfrutarem da vida.

Como a campanha, bem elaborada, veio a seguir ao eclodir da crise financeira mundial, «provavelmente» esta Associação devia ter acrescentado à sua autorização às pessoas uma condição: «se fizeres parte da reduzidíssima percentagem da população mundial que tem meios financeiros para o fazer». E depois teria ainda que acrescentar: «Provavelmente daqui a um ano ainda terás os meios suficientes para poderes desfrutar da vida...»! (Teremos?).

O «timing» da campanha não foi nada bom... para o que a Associação Humanista pretendia. Para o que Deus pretendia, através dessa campanha ousada e irreverente, «provavelmente» terá sido um «timing» excelente.

Dentro de dias esperamos voltar com algo mais sobre Absalão....

27 janeiro 2009

A voz que ouço, é do Senhor ou é minha?



Ao ocupar-se dos negócios do reino, em lugar de seu pai David, o jovem Absalão dá a impressão de ser extremamente habilidoso – um líder promissor com qualidades para ter um reinado mais bem sucedido do que do seu pai. O povo deixa-se convencer com facilidade. Absalão é belo e agradável e tem uma cabeleira impressionante......

Apesar de tudo, a imagem conta. E se Absalão vivesse hoje – não seria um sucesso?

Mas Absalão tem um defeito de fundo, que consegue disfarçar no princípio, mas que termina por ser a sua ruína. A voz interior que ouve (que ele talvez julgue ser a voz de Deus) é realmente a voz da sua própria ambição.

Pessoalmente, fico apreensivo com pessoas que dizem com frequência que ouvem a voz de Deus. Desconfio que o seu «Deus» possa ser nem mais nem menos do que a voz da sua própria ambição. Fico também apreensivo com pessoas que elegem outra pessoa para ser a sua «voz infalível» - o «profeta»

através de quem Deus sempre lhes fala. Normalmente, se falamos com estas pessoas com base na Bíblia, não têm muita paciência para ouvir: julgam que elas próprias, ou o seu profeta predileto, estão mais perto dEle do que nós.

O «profeta» predileto de Absalão chama-se Aquitofel. Quando Absalão o ouve falar, fica deliciado: é como se Deus lhe falasse directamente (2 Samuel 16:23). E Absalão é um homem ambicioso: Aquitofel é suficientemente astuto para saber que, para influenciar o jovem revolucionário, tem que falar de acordo com a «voz interior» da ambição dele. Mas, quando lemos o primeiro conselho que Aquitofel dá a Absalão, ficamos abismados: aconselha-o a consolidar a sua posição com os seus apoiantes, entrando a todas as concubinas do seu pai. Será mesmo Deus que lhe dá essa ideia? Mas Absalão segue o conselho porque está nos seus interesses.

Mais adiante Aquitofel dá outro conselho que, nas circunstâncias, parece bastante acertado – que Absalão o deixe ir de noite para atacar o rei de improviso, aproveitando o seu cansaço para o vencer rapidamente. Só que a seguir Aquitofel dá outro conselho, desta vez através de uma pessoa chamada Husai, que aparece pela primeira vez. Podemos perguntar-nos por que é que Absalão vai ouvir a voz de Husai, se mal o conhece e se Aquitofel é quem fala directamente com Deus?

O que acontece é que Husai sugere um plano muito mais ambicioso. Sugere que Absalão junte todo o Israel, planeando tudo com tempo e com um alto grau de organização, para derrotar David numa grande batalha que será completamente decisiva. E, neste caso, será o próprio Absalão que irá à frente das suas tropas! Poderia haver algum plano de auto-promoção melhor do que este, para Absalão seguir?


Agora - se Aquitofel costuma falar da parte de Deus, e Husai é quase um desconhecido - porque será que, de repente, Absalão gosta mais da ideia de Husai do que da do seu «profeta»? O facto é que é Husai que toca no ponto essencial, dizendo que Absalão irá à frente das tropas. Apela à ambição do jovem revolucionário. Assim, de repente, este acha que Deus deve estar a falar por meio de Husai! Afinal parece que o «Deus» de Absalão não é o Senhor soberano dos céus e da terra, mas sim a sua própria ambição. Durante um tempo pode ter parecido que usava o nome de Deus e que de facto honrava o Senhor. Agora fica claro a quem é que Absalão serve realmente.

Em breve vemos que é exactamente o conselho de Husai que traz a derrota a Absalão. O verdadeiro Senhor dos céus e da terra foi Quem determinou que Husai desse este «mau» conselho – para que Absalão fosse derrotado e julgado!

Acho que devemos pensar bem nisto. Quando nos convencemos de que Deus nos falou, de quem é que foi realmente essa voz? E se uma pessoa tão inteligente como Absalão seguiu tão maus conselhos, qual é a garantia de que nós, confiando na nossa «voz interior», não vamos enganar-nos tão redondamente como ele?

Publicado também no «Reflexo», boletim da Igreja Baptista de Caldas da Rainha.




27 dezembro 2008

Maria a guardar e a ponderar......

Durante várias semanas não escrevi nada no blogue. Este tempo frio parece ter alterado a minha tensão arterial. Graças a Deus, consegui manter a maior parte das minhas actividades obrigatórias. Mas, graças à compreensão da minha esposa e - mais perto do Natal - dos meus filhos também, consegui fazer algumas pausas. E aproveitei para ponderar.....
Quando Maria acabava de dar à luz ao menino-Rei, outros divulgaram a notícia com grande entusiasmo, mas ela ponderou (Lucas 2:17-20). Estas reacções diferentes devem-se naturalmente a factores de temperamento e a outras circunstâncias. Mas, já pensaram como Deus precisou que alguém guardasse os acontecimentos no seu coração, talvez mais do que precisou de ter quem os divulgasse de imediato?
Quem divulgue de imediato fala do que viu e sentiu... e, sem faltar à verdade, pode dar uma noção muito incompleta do significado dos acontecimentos. (Já viram, por exemplo, como testemunhos de cura divina podem ser genuínos, de coração, mas dão a impressão de que curar o nosso corpo é o melhor e o maior do que Deus tem para nós aqui.... uma distorção teológica bem-intencionada, mas grave nos seus efeitos?). Quem pondere enquadra os acontecimentos num contexto, relaciona com profecias da antiguedade, reflecte sobre os paradoxos, aponta para um significado histórico..... Se Maria não tivesse guardado os acontecimentos no seu coração, de onde é que o evangelista Lucas teria tido a sua informação para escrever os relatos? Ele que, não sendo um dos doze discípulos, fez questão de usar a narração dos factos segundo os transmitiram as testemunhas (Lucas 1:1-4) ...  quantas horas terá gasto a recolher estes dados, posteriormente à Ressurreição do Mestre, de uma Maria bem lembrada, serena e agradecida?
O trecho em Lucas que relata as promessas dadas e o nascimento de João e Jesus, e o que aconteceu logo a seguir, tem 118 versículos. Mateus cobre o mesmo período, com dados a maior parte diferentes, em 31. Estes são os únicos relatos do primeiro Natal que existem, e é quase 80% a parte que foi comunicada por Maria a Lucas. Se ela não tivesse guardado tudo no seu coração, ponderando sobre o seu significado......?
Só quem reflecte com alguma seriedade e profundidade consegue «encaixar» palavras que revelam o lado escuro das coisas. Um simples divulgador, entusiasmado por notícias e acontecimentos bons, ter-se-ia provavelmente esquecido de («bloqueado») as palavras misteriosas de Simeão (Lucas 2:34-35) que disseram que uma espada traspassaria a sua própria alma, relacionando isto com a revelação dos pensamentos de muitos corações. Mas Maria, tendo reflectido sobre estas palavras, e tendo-as visto cumpridas nas horas escuras da morte do seu Filho, assim conseguiu articular ideias e factos de uma forma que, magistralmente, articularam o grande plano de Deus para a salvação do homem.
De facto Maria, então, contou o nascimento do seu Filho e o seu significado, de uma forma que chegou a cada geração de crentes, em todo o mundo, ao longo de todas as gerações. Quem fez questão de guardar e ponderar terminou por divulgar. Os que divulgaram com grande entusiasmo, no princípio, fizeram impacto de uma forma passageira... e pouco conseguiram articular o significado do que estavam a anunciar.


05 novembro 2008

Música no Canto da Rola: Mahler



Dias 28 e 29 de Novembro vamos ter uma oportunidade de conhecer Gustav Mahler no Canto da Rola. A música erudita contemporânea às vezes é difícil, mas na minha experiência conhecer um pouco da vida do compositor e ser "iniciado" na sua música por alguém que a conhece e explica é um privilégio raro.

O César Proença é um amigo de longa data. Ele é arquitecto em Coimbra, e nas horas vagas ouve e colecciona música, sobretudo clássica e jazz. Eu lembro-me bem de uma noite em que ele introduziu um pequeno grupo de estudantes a John Coltrane e a Olivier Messiaen, e nos ajudou a compreender estes músicos geniais, embora às vezes difíceis; foi uma sensação de os meus olhos serem abertos para uma realidade maior.

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Gustav Mahler (1860-1911):
uma Alma entre dois mundos

Sexta, 28/11 às 21h: palestra com música
Sábado, 29/11 às 10h30: mais música

Mahler, o compositor do paradoxo e do conflito.
Entre a esperança efémera e a tragédia, entre o anseio pela fé e a descrença, entre a eloquência melódica e o poema, entre a grandiosidade orquestral do mundo e a frágil atonalidade da alma.
Nenhuma música melhor traduz a estranha era em que viveu - uma era de tensão e transição, tal como a nossa.
Talvez por isso, só foi verdadeiramente apreciado meio século depois da sua morte. Reconhecimento, aliás, que antecipou profeticamente.
E mesmo quando a angústia e o desgosto de tudo o despojaram, jamais duvidou do seu legado. O meu tempo há-de chegar, dizia.
E chegou.
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Na sexta à noite, o César vai fazer uma palestra com alguma música para nos apresentar a vida fascinante deste músico.
No sábado de manhã, queremos ter mais tempo para ouvir a música de Mahler - afinal de contas, essa é a melhor forma de conhecer um músico!
Qualquer pessoa é bem vinda para 6ª ou Sábado ou para ambos.

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Dormida
Temos alguns lugares disponíveis, caso queiram passar a noite no Canto da Rola para disfrutarem das duas partes deste evento, e também de um sítio calmo e bonito. Sugerimos a contribuição de €5 por pessoa, para a manutenção da casa.
A estadia tem que ser marcada por e-mail (longobedience@gmail.com) ou telefone (933617265 / 911039717).

Como chegar ao Canto da Rola?


JBP

04 novembro 2008

SUBVERTER MITOS GLOBAIS

O nosso amigo David Cameira pergunta quando é que o «Canto da Rola» vai pensar numa edição dos sermões de F.W.Robertson. Fico muito satisfeito com o interesse despertado neste irmão que chamo «emergente» do século XIX.

Devo explicar que, depois de «Ética Cristã Hoje» (que leva na capa o nome da Associação Evangélica Cascatas, e que foi financiado por um amigo português que quis manter-se anônimo), a Direcção do Centro decidiu que não ia envolver-se directamente em publicações: as nossa opções vocacionais, o nosso tempo e outros factores obrigaram-nos a definir outras prioridades. Se, entre os nossos leitores surgir algum tradutor, e se surgir algum financiador, (dois «ses» bastante grandes!) não teria problemas em propor ao Núcleo, por exemplo, uma edição de sermões de Robertson. Entretanto, quem souber inglês, aproveite já na Internet para ler os sermões!

E, entretanto, uma forte recomendação para que adquiram um livro magistral com o título «Subverting Global Myths» de (imaginem quem!) Vinoth Ramachandra. Foi publicado pelo SPCK, Inglaterra, no verão de 2008. Ao ler o livro tive uma sensação parecida à que teria se tivesse sido criado perto de algumas vivendas, observando sempre as pessoas que entravam e a saiam, e só décadas depois tivesse tido a oportunidade de ver as mesmas casas de outro ângulo. De repente passei a ver muito mais movimento. Percebi mais claramente a quê é que se dedicavam as pessoas que habitavam as vivendas. Tive que rever muitas suposições que tinha formado, com base em pouca evidência factual, sobre a vida dos habitantes.

Os mitos que Vinoth revê são os mais pertinentes possível: o do «terrorismo», o da violência religiosa, o dos direitos humanos, o do multiculturalismo, o da ciência e o do pós-colonialismo. Critica e cita abundantes evidências factuais contra a visão ocidental desses fenómenos, tingido pelo iluminismo, o racionalismo e diversos imperialismos que nos ensinaram o que é a «realidade», antes de nós a vermos com os nosso próprios olhos.

O que é que aprendeste na escola sobre a Revolução Industrial, por exemplo? Agora, considera o seguinte parágrafo (tradução minha) de «Subverting Global Myths»:

«As duas indústrias principais da Revolução Industrial Britânica foram o ferro/aço e o algodão. Em 1788, no entretanto, a produção de ferro ainda era mais baixa do que a que a China tinha atingido em 1078! O que é especialmente notável aqui é que nestas duas indústrias a Índia esteve em primeiro lugar até cerca de 1800. O aço Wootz da Índia exportava-se à Pérsia, onde providenciou a base para o famoso aço Damask. Além disso, o aço da Índia era ao mesmo tempo superior e mais barato que o aço produzido em Sheffield. Em 1842 o número de altos fornos («blast furnaces») na Índia era cinquenta vezes maior do que o número que existia em Inglaterra e ainda em 1873, ano de máxima produção na Inglaterra, havia dez vezes mais na Índia. Quando os britânicos finalmente se interessaram na produção de aço, foi naturalmente para a Índia e a China que olharam».

Vinoth cita algumas vezes Michel Foucault, que mostra como mesmo os «factos históricos» são escritos desde o ponto de vista do poder.

É muito refrescante e animador também, para quem acredita em missões, ver o Vinoth a denunciar o mito das missões serem sempre o instrumento do imperialismo. Mostra como missionários na Índia, como C.F. Andrews, íntimo colaborador de Gandhi, se tornaram os opositores mais plausíveis do racismo e imperialismo britânicos. Mostra como muitos discípulos de Jesus, que foram trabalhar na Ásia e em África, conseguiram despir-se dos seus mitos e deixar um legado, genuíno e convincente, de um Servo sofredor que ultrapassa todo o tipo de barreira e preconceito cultural.

Uma palavra final..... Se amares os teus «mitos» e não quiseres que sejam postos em causa, não leias o livro!

14 outubro 2008

A Mensagem Política de Jesus ou «Emergentes» de Outrora.

«Eu, porém, vos digo: Amai os vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem....» (Mateus 5:44).
«Ai de vós ricos! Porque já tendes a vossa consolação» (Lucas 6: 24).

Trata-se de um dos tópicos de Brian McLaren, pensador e teólogo associado à já muito falada «Igreja Emergente» (ver «A Mensagem Secreta de Jesus», ed. Thomas Nelson, Brasil, 2006). É uma abordagem que, em geral, aprecio. Deixem-me citar um parágrafo, para dar uma ideia:
«Em minha educação religiosa não me ensinaram acerca das dimensões pública e política da mensagem de Jesus – somente a respeito do aspecto pessoal e das demais dimensões privadas. Sim, Jesus me ama e queria que eu fosse bom com meu irmãozinho e obediente a meus pais. Porém a ideia de Jesus de que Deus ama os inimigos do meu país, e de que, consequentemente, nossa política exterior deveria reflectir este amor – esta ideia jamais passou pela minha cabeça. Em algum momento, no entanto, comecei a perceber que estava perdendo alguma coisa. Naquele exacto instante, acredito que tenha começado a ter uma ténue e ainda turva percepção acerca da mensagem secreta de Jesus» (op. cit., p. 28).
A leitura do livro é fresca e incómoda: posso recomendá-lo. Depois, a questão de como ser (ou, para alguns, como rejeitar!) a «igreja emergente» no século XXI, deixo para outra altura.
Para mim um princípio importante, quando alguém diz ensinar coisas «novas» ou «secretas» acerca de Jesus, é tentar saber quem é que já as disse antes. Para dizer a verdade li uma boa parte do livro com uma sensação de já ter ouvido muito daquilo que McLaren estava a dizer. Não me enganei: perto do fim do livro McLaren cita John Howard Yoder (1927-1997), famoso autor menonita do livro «The Politics of Jesus», livro este que marcou a minha juventude e a da minha esposa! Sem dúvida, então, que Yoder no seu tempo já foi «emergente»!
Mas, se Yoder era «emergente» na década dos 1970, também o eram os primeiros anabaptistas como Menno Simons, que ensinavam a não-violência como postura política, já no século XVI! E também era «emergente» Calvino, que tanto profetizou contra a egoísmo e as injustiças sociais na mesma época.
Depois, e parece ter sido coincidência, veio à minha atenção os sermões do jovem Frederick William Robertson, pregador em Brighton, Inglaterra nos anos ’40 e ’50 do século XIX! Digo jovem, porque morreu de uma doença cerebral degenerativa, com apenas 37 anos. Em plena época imperialista denunciou, desde um ponto de vista teológico conservador e calvinista, a opressão e as riquezas mal ganhas da sua época. Embora advogasse métodos pacíficos, levantou muitas suspeitas na sua época por causa da sua conhecida simpatia com as ideias políticas de Europa continental, que deram ocasião às revoluções de 1848. O «emergente», F.W. Robertson retrata de uma forma brilhante Jesus a profetizar num contexto semelhante, na sua época. Em alguns sermões Robertson não é menos incisivo e mordaz na denúncia que faz do que o próprio McLaren!
Mas, curiosamente, McLaren, na última parte do seu livro, argumenta que a «mensagem secreta de Jesus» (que passa pela política e outros assuntos semelhantes) foi descoberto só na nossa geração. Inclui Yoder na nossa geração e reconhece que a conhecia – mas não parece conhecer aqueles que a conheciam em outras gerações anteriores!
Aqui não posso concordar. Embore confesse que também por vezes cometi o erro de dizer que alguma coisa não existiu numa determinada época, só porque eu não a conhecia!
É mesmo importante terminar com uma citação extensa de F.W. Robertson! Isto é só para apanharem o «sabor»: os argumentos são cuidadosos e têm que ser lidos de princípio a fim. (Para encontrares muitos dos seus sermões em inglês, basta procurares «Frederick William Robertson», nas paginas da Internet). Quem sabe se Robertson não terá que ser redescoberto, e proclamado nos «blogues» do nosso tempo, como «emergente» da época vitoriana?

«Andou na Galileia e na Judeia a proclamar a queda de toda a injustiça, a revelação e o desmentido de toda a falsidade. Denunciou os homens da lei que recusavam a educação ao povo, para que pudessem reter a chave do conhecimento nas suas próprias mãos. Reiterou Ai! Ai! Ai! aos escribas e fariseus, que reverenciavam o passado, enquanto perseguiam cada novo profeta e cada homem de coragem que se levantava para defender o espírito do passado contra as instituições do passado. Contou parábolas que atacavam com dureza os homens da riqueza......»

«E agora considerem honestamente: - suponhamos que tudo isto tivesse tido lugar neste país; que um estrangeiro desconhecido, não ordenado, sem nenhuma autoridade visível, baseando a sua autoridade na sua verdade, e a sua concordância com a mente de Deus Pai, tivesse aparecido nesta Inglaterra, falando a metade das coisas severas que Jesus falou, contra o egoísmo da riqueza, contra as autoridades eclesiásticas, contra o clero, contra o partido religioso popular – suponhamos que um assim dissesse que toda a nossa vida social está corrupta e falsa. Suponhamos que, em vez de dizer “tu, fariseu cego”, a palavra tivesse sido “tu, homem de igreja cego!....”.

Sermão com o título: «O Julgamento de Cristo a Respeito das Heranças», pregado em 22 de Junho de 1851.

30 setembro 2008

Ao Penedo....

Não conheço pessoalmente o «Penedo» - que se apresenta como «leigo» e como «eterno estudante»! Mas achei intrigante que, não conseguindo perceber o que era a questão, na minha troca de impressões com o Vinoth Ramachandra, tivesse a curiosidade para me perguntar.
Queria, então, tentar colocar a questão de uma maneira mais simples.
Os evangélicos, durante muitas décadas, tiveram o hábito de apresentar a sua mensagem como sendo «individualista» e «espiritual». Isto é, através de um encontro pessoal com Cristo, encontramos a salvação da nossa alma, um lugar seguro no céu, etc. A igreja é um conjunto de pessoas salvas por Cristo e que tem como tarefa evangelizar os outros, para que mais almas se salvem, mais pessoas tenham um lugar seguro no céu, etc.
Para pessoas que focam a mensagem cristã assim, o trabalho social feito por cristãos, por exemplo, parece um desvio, dando atenção a uma dimensão material da vida que só tem interesse temporal.
Vinoth Ramachandra faz parte de uma longa tradição de cristãos evangélicos que têm feito notar que a própria Bíblia não divide o homem desta maneira – numa parte espiritual (a que temos a responsabilidade de nos dirigir) e uma parte material (que é melhor deixar para os outros). Apelam, correctamente na minha opinião, a textos como Jeremias 22:13-17, Miquéas 6:8, Mateus 5:13-16, Mateus 25:31-46 .... entre muitos mais. A «Missão Integral» é uma forma de trabalhar com as pessoas que tenta englobar tudo o que são , «alma» e «corpo», e considera tão válido o envolvimento do cristão na política para tentar que a sociedade seja mais justa, como a pregação do Evangelho, do púlpito e pessoalmente, que foca as questões «espirituais» ou «eternas».
Considero-me também defensor da «Missão Integral», mas, obviamente, com muito menos conhecimento e capacidade de diálogo com a sociedade actual do que o Vinoth. Em 1983, por exemplo, publiquei um livro com o título «O Sabor do Sal», editado pelo Núcleo, em que tentei defender alguns dos mesmos princípios.
Em relação com o Vinoth, a minha única razão de entrar em diálogo foi porque, no seu artigo “O que é a Missão Integral?”, me parecia que estava não só a expressar a sua discordância com a abordagem individualista dos evangélicos tradicionais, mas estava também a usar termos um tanto irónicos em relação com pessoas que sinceramente têm esta ênfase. Ao comparar este tipo de evangelização com a venda de «apólices de seguros», por exemplo, achei que podia ofender irmãos que, tendo uma visão um tanto tradicional ou individualista, agem com muita sinceridade e dedicação. Ainda por cima estes irmãos muitas vezes estão abertas para aprender de nós em outros aspectos: não seguem a sua linha, necessariamente, por teimosia ou por terem uma mente fechada.
Enviei um E-mail ao Vinoth, em Sri Lanka, e recebi uma resposta quase imediatamente. Através da resposta, percebi que ele compreendia a minha preocupação por estes irmãos mais tradicionais mas que, muitos deles, são extremamente dedicados e que trabalham com sinceridade. Senti-me de imediato mais perto dele. Mesmo achando que podia ter dito algumas das coisas de uma forma mais cuidadosa.
No corpo de Cristo cabem muitas abordagens, sensibilidades e filosofias de trabalho diferentes. Só temos vantagem em tentar valorizar positivamente aqueles irmãos que, sendo diferentes de nós, podem ser para nós exemplos de coerência e coragem.
O irmão Vinoth vem de um contexto asiático em que há muita pobreza. Precisamos também de dar atenção ao que tem a dizer aos ocidentais - acerca de uma vida coerente de compromisso com Cristo que abrange todos os níveis da nossa existência.

09 setembro 2008

Resposta a Tiago Cavaco acerca de Vinoth

Obrigado pela atenção que deste ao meu diálogo com Vinoth Ramachandra!

Não tenho muita experiência de «blogues» e está a ser uma experiência interessante perceber o que é que as pessoas conseguem captar e o que não conseguem captar através deles. Mas, como a tua reacção tem alguma coisa em comum com a do próprio Vinoth, admito a hipótese de que eu não tenha dito o suficiente para situar os meus potenciais leitores em relação com as minhas convicções ou com as minhas motivações ao entrar no debate.

Tu – e o Vinoth – captaram, do que parece, uma certa «inocência» nas minhas reacções. Mas nenhum dos dois conseguiu perceber de onde é que vinha essa aparente «inocência». Claro que o meu blogue não entrou em considerações históricas. Lembro-me, por exemplo, (só uma pequeníssima parte da história que presenciei e vivi!) de ter ido debater posições semelhantes às de Vinoth num encontro no Centro Ecumênico de Figueira da Foz, nos anos ’80 (o Pt. Abel Pego também foi), perfilhadas na altura por José Miguez Bonino, um «teólogo da libertação» evangélico da América Latina.

Miguez Bonino conseguia articular as suas preocupações socio-políticas e a sua teologia de uma forma convincente (não pecava, como Gustavo Gutiérrez e outros pecavam, da fraca exegese bíblica habitual entre os católicos da Teologia da Libertação). Vinoth também consegue articular preocupações semelhantes e fala com frescura para uma geração nova. Mas, como deves perceber, não há muito de realmente novo naquilo que Vinoth diz – nem poderia haver: ele está apenas a reafirmar certas posições acerca da necessidade da «integralidade» que precisam de ser afirmadas em cada geração.

O comentário do GBU no teu blog («Pedro said») é um modelo de síntese e identifica correctamente as preocupações principais de Vinoth. Curiosamente, e isto parece que nem tu nem Vinoth conseguiu captar (por isso admito que não o tenha dito com a clareza suficiente), estou com ele e as minhas posições são bastante semelhantes às dele (embora as exponha com menos profundidade e com uma linguagem menos cativante para a geração nova).

O Vinoth parece ter lido nas minhas palavras uma reacção «inocente» que tem como pano de fundo o individualismo e espiritualismo ocidentais. Às vezes afirma que esta mentalidade é inconscientemente herética (docetista, marcionista, etc.). Na minha óptica a ênfase na salvação individual é um componente incontornável que existe na Bíblia («Pois que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua alma?» - substituir a palavra «alma» pela palavra «vida» não retira nada da força desta preocupação), e se alguns dos meus irmãos na igreja gastam as suas lágrimas em oração e as suas vidas em esforços para tentar levar os seus amigos a conhecer o Salvador (individualmente!), não devo dizer nada para os desmotivar, nem sequer implicitamente. Só devo complementar a sua ênfase, com exortações para eles, e os que levam a conhecer Cristo, «guardarem todas as coisas» que Ele tem mandado.

A resposta que Vinoth me mandou ajudou-me a compreender que ele também tem este sentido do «corpo de Cristo». Para ele também estas abordagens se completam e não devem ser contrapostas uma à outra. No seu artigo há momentos (como quando fala na «justificação pela fé», por exemplo), em que parece que não é assim – parece estar a entrar num reducionismo liberal (quando os meus professores em Cambridge não conseguiam encaixar uma doutrina que o NT ensinava, diziam que fazia parte de uma «tradição» menos importante dentro do «material» do NT!). Através do diálogo, consegui perceber melhor que Vinoth não pertence de maneira nenhuma a esta tradição liberal, já antiga. Espero que ele também tenha compreendido que não sou tão «inocente» como possa ter parecido!

Também, no que diz respeito à tua reacção, perdoa-me, mas creio que me estavas a citar como se fizesse parte de algum tipo de «hierarquia baptista» que tem por hábito alhear-se destas questões. Nem fui criado no meio baptista nem estudei numa faculdade doutrinariamente conservadora (mais liberal do que a Faculdade de Teologia em Cambridge, seria quase impossível achar – até hoje!). Identificaste mal as razões da «inocência» com que me situo perante Vinoth. Esta transparece no artigo por causa de, na minha posição pastoral, me identificar com muitos crentes que não lêem blogues, nem conseguem entender estes debates mas que, em alguns aspectos, agem com mais coerência e mais coragem do que eu.

Queria defender e ajudar estes – como, segundo o que já percebi em outras publicações no teu blogue, também os queres defender e ajudar.

Na tua reacção senti-me mal compreendido! (E senti, como é óbvio, que estavas a atacar muito mais o Seminário do que a mim! Talvez precises de conhecer melhor a nossa escola!) Mas a parte que me diz respeito não é muito importante se o resultado do nosso diálogo for alguns dos nossos leitores esforçarem-se, e nós também nos esforçarmos, para sermos cristãos mais «integrais» na sociedade em que vivemos.

02 setembro 2008

O DEUS DE DAWKINS

«Não creio realmente ser arrogante, mas tenho pouca paciência para as pessoas que não partilham da mesma humildade que eu perante os factos».

Esta frase, do famoso cientista ateísta Richard Dawkins, é citada por Alistair McGrath, no seu livro «O Deus de Dawkins», publicado em inglês em 2005 e em português (Aletheia Editores) em Janeiro de 2008.
Encontrei o livro «por acaso», quando um dia estava a fazer as minhas compras no «Modelo». Quantas vezes acontece encontrarmos um livro de um pensador evangélico tão distinto e actual como McGrath, num formato atractivo, numa boa tradução, a um bom preço, num dos nossos hipermercados? (Ainda por cima normalmente faço as compras em outro hipermercado!).
A leitura do livro deixou-me fascinado! O autor, além de ser professor de Teologia Histórica em Oxford, tem formação superior em ciências. Quando, em 1977, leu «O Gene Egoísta» de Richard Dawkins, já foi desafiado a escrever uma resposta, desde um ponto de vista cristão. E, embora McGrath não se sentisse capaz de o fazer na altura, a ideia ficou, e publicou o livro em 2005!
O problema com Dawkins é que argumenta de uma forma muitas vezes brilhante as suas posições em questões científicas mas, quando se dirige à questão de Deus, usa argumentos bombásticos e simplistas (um pouco à maneira de «Porque não sou Cristão», de Bertrand Russell). McGrath examina e critica estes argumentos de uma forma brilhante e equilibrada - e acha-os em falta.
Um aspecto que vai surpreender o leitor atento de «O Deus de Dawkins» é o facto de McGrath mostrar que o darwinismo em si não leva necessariamente ao ateísmo. Darwin não era coerentemente ateísta: se veio a rejeitar o Deus do cristianismo, tomou esta atitude por causa de outros factores (como a morte de uma filha, por exemplo) e não por causa das suas posições sobre a evolução.
Um dos primeiros teólogos evangélicos a admitir a possibilidade de conciliar o processo evolutivo e os dados da Bíblia foi Benjamin Warfield - que dificilmente alguém argumentará não ter sido evangélico ou conservador:
«Se Darwin considerava o processo evolutivo como estando alicerçado nas variações do acaso, e que o destino subsequente era determinado por princípios gerais, Warfield argumentava que era absolutamente correcto olhar para o processo evolutivo como sendo guiado pela divina providência» («O Deus de Dawkins», p. 101).
E James Orr, um dos autores e fundadores de «The Fundamentals» (origem do termo «fundamentalista»!), defendeu uma posição semelhante. Ao mesmo tempo, muitos outros cristãos argumentaram que o darwinismo e a doutrina bíblica da criação eram absolutamente incompatíveis.
O autor destas linhas tem uma posição mais criacionista do que isso! Não partilho a abertura para o darwinismo de Warfield, Orr ou McGrath. Mas não os considero «liberais» por causa disso: considera que o que está em causa aqui são posições diversas que é possível sustentar, sem deixar por isso de ser considerado evangélico.
Mas a razão principal porque menciona neste blog o livro de McGrath não é por causa do debate entre o criacionismo e o evolucionismo. É por causa do debate entre o ateísmo e o teísmo – e nomeadamente o teísmo cristão. «O Deus de Dawkins» para mim é um livro magistral para quem deseje dialogar com os ateístas ou agnósticos do nosso tempo.
Por causa disso estou extremamente feliz por ter mudado de hipermercado nesse dia!